A VALIDADE DOS NOVOS SACRAMENTOS

Padre Hervé Belmont
2011

Em conformidade com as estipulações do Vaticano II, (1) Paulo VI começou a obra da reforma de todos os ritos sacramentais, e promulgou seus diferentes elementos entre 1968 e 1973 (2).

Essa reforma toca no essencial dos sacramentos, e a influência protestante nela se fez constantemente sentir; tem-se fundamento, pois, de perguntar-se se os ritos instaurados por Paulo VI são mesmo instrumentos de Jesus Cristo, os canais pelos quais Ele dá a graça sacramental.

Essa questão da validade dos novos ritos sacramentais não pode e não deve ser separada de duas outras questões inelutavelmente conexas: a da conformidade dos ritos à fé católica, e a da realidade da Autoridade que os promulgou. Com efeito:

• se esses ritos provêm da verdadeira Autoridade da Igreja, é impossível que sejam discrepantes com a fé ou inválidos: a assistência do Espírito Santo garante-lhes tanto a conformidade com a fé quanto a eficácia da graça;

• se eles são não-conformes à fé católica, é impossível que provenham da Autoridade legítima, que não pode dar à Igreja lei má (3) ou rito desprezível (4);

• se, essencialmente, eles não são compatíveis com a fé católica, eles não podem ser válidos: é a fé da Igreja que faz com que os signos sacramentais sejam instrumentos de Jesus Cristo para o dom de sua graça (5).

• se eles não provêm da Autoridade da Igreja, não há garantia alguma de validade, a qual só pode ser conhecida na fé e, portanto, pelo testemunho da Igreja.

Somente a Igreja poderá, então, decidir categórica e definitivamente a questão. Mas, no aguardo, cumpre bem saber a que se ater  —  somente do ponto de vista da validade, entenda-se, pois o testemunho da fé opõe-se à participação ativa nesses ritos. Mas, sendo estes realizados, o que se pode saber sobre eles?

Se se admite, com pleno direito, que a reforma litúrgica não é nem fruto nem expressão da fé da Igreja, deve-se admitir, pelo fato mesmo, que ela não vem da Igreja e que Paulo VI era desprovido da Autoridade pontifícia (o que se pode determinar também a partir do conjunto de seus atos, que não produz o bem da Igreja, ou a partir de seu ensinamento da liberdade religiosa).

Como esses ritos não vêm da Igreja, é impossível afirmar que o ministro que os utiliza (qualquer que seja ele e malgrado a tenha) tem a intenção de fazer o que a Igreja faz: sua intenção (real ou eficaz) é precisamente utilizar esses ritos, e esses ritos não são o que a Igreja faz (6). Não se pode, portanto, afirmar a validade do rito dos sacramentos de que um elemento essencial  —  a matéria ou a forma  —  foi mudado (Confirmação, Eucaristia, Extrema-Unção, Ordem): não há como não permanecer na dúvida a seu respeito.

Quanto aos três outros sacramentos (Batismo, Penitência e Matrimônio) cuja forma não mudou, não houve, em sentido próprio, nova promulgação da parte essencial e, portanto, a priori, não há que questionar a sua validade.

Quanto aos quatro cuja forma foi modificada, há  —  no mínimo  —  dúvida de direito, em razão da ausência da garantia sobrenatural e necessária da Igreja. Mas, como a vida sacramental  —  assim como a vida da fé — não pode se contentar com a dúvida, é preciso considerá-los na prática como inválidos.

Notas:

1. Constituição de sacra liturgia de 4 de dezembro de 1963, nn. 50, 66, 71, 72, 75, 76 & 77.

(N. do T. — sacrosanctum concilium, art. 50: “O Ordinário da missa deve ser revisto”;
– S.C., art. 66: “Revejam-se tanto o rito simples do Batismo de adultos, como o mais solene […] Reveja-se o rito do Batismo de crianças”;
– S.C., art. 71: “o sacramento da Confirmação… reveja-se o rito deste sacramento”;
– S.C., art. 72: “Revejam-se o rito e as fórmulas da Penitência de modo que exprimam com mais clareza a natureza e o efeito do sacramento”;
– S.C., art. 75: “Revejam-se as orações do rito da Extrema-Unção”;
– S.C., art. 76: “Faça-se a revisão do texto e das cerimônias do rito das Ordenações”;
– S.C., art. 77: “reveja-se e enriqueça-se o rito do Matrimónio que vem no Ritual romano.”)

2. Ordem: Constituição Apostólica Pontificalis Romani de 18 de junho de 1968; AAS 1968 pp. 369–373.
Eucaristia: Constituição Apostólica Missale Romanum de 3 de abril de 1969; AAS 1969 pp. 217–222.
Matrimônio: Decreto de 19 de março de 1969; Notitiæ (boletim da congregação para o culto divino) 1969 p. 203.
Batismo: Decreto de 15 de maio de 1969; AAS 1969 p. 548.
Confirmação: Constituição Apostólica Divinæ consortium naturæ de 15 de agosto de 1971; AAS 1971 pp. 657–664.
Extrema-Unção: Constituição Apostólica Sacram Unctionem infirmorum de 30 de novembro de 1972; AAS 1973 pp. 5–9.
Penitência: Decreto de 2 de dezembro de 1973; AAS 1974 pp. 172–173.

3. O Papa Pio VI condena  —  como “falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva a ouvidos pios, injuriosa à Igreja e ao Espírito de Deus que a conduz, no mínimo errônea” —  uma proposição do Sínodo de Pistoia sobre a disciplina da Igreja por este motivo: “Como se a Igreja, que é regida pelo Espírito de Deus, pudesse constituir uma disciplina não somente inútil e mais onerosa do que a liberdade cristã é capaz de suportar, mas ainda perigosa, nociva e conducente à superstição e ao materialismo” (Denz. 1578). Os Papas Gregório XVI (Quo Graviora de 4 de outubro de 1833) e Leão XIII (Testem Benevolentiæ de 22 de janeiro de 1899) referem-se explicitamente a essa condenação.

4. “Se alguém disser que os ritos aceitos e aprovados pela Igreja Católica, que costumam ser usados na administração solene dos sacramentos, podem ser desprezados, ou omitidos sem pecado ao bel-prazer dos ministros; ou que qualquer pastor pode, em sua igreja, mudá-los em outros novos, seja anátema.” (Concílio de Trento, 13.º cânon da Sessão VII, Denz. 856).

5. “A eficácia  —  ou virtude  —  dos sacramentos provém de três coisas: da instituição divina, que é seu principal agente; da Paixão de Cristo, que é sua primeira causa meritória; da fé da Igreja, que põe o instrumento em continuidade com o agente principal.” (Santo Tomás de Aquino, IV Sent. d. i q. i a. 4 sol. 3).

6. Cf. Pe. Bernard Lucien, Fideliter (Broût-Vernet, 03110 Escurolles) n.° 6 p. 16.

Trad. por Felipe Coelho.

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