“SUBSIST IN”, A IGREJA INVISÍVEL

Padre Álvaro Calderón, F.S.S.P.X.
2010

O “SUBSIST IN” E SUA TRISTE SINA

Com os “vestigia Ecclesiae” (promovidos a “elementa”), os neoteólogos acreditavam ter aberto uma porta de saída para a via ecumênica. Mas isso não lhes bastava para abrir uma porta de entrada no Conselho mundial das igrejas, visto que as demais comunidades cristãs não achavam muita graça em serem consideradas uma parte deficiente da Igreja Católica. Se os papistas quisessem entrar, que aprendessem a reconhecer que a Igreja Católica era apenas uma parte, juntamente com elas, da super-Igreja de Cristo. Os neo-teólogos, transbordando de humildade, estavam totalmente dispostos a fazer-lhes essa concessão, mas como conciliá-la com o inveterado costume católico de identificar-se pura e simplesmente com a Igreja de Cristo?

A solução foi genial, mas — eles mesmos são obrigados a admitir — não foi simples, nem contou com a áurea tradicional dos “vestigia Ecclesiae”. Por isso é um ponto ainda a ser suficientemente esclarecido. O argumento só pode ser entendido por quem tem certa formação teológica:

• Para fazer jus ao título de ecumênico, deve-se reconhecer que a Igreja de Cristo é algo a mais que a Igreja Católica, de vez que inclui as demais comunidades cristãs (e, com um pouco de esforço, as demais religiões). Mas, ao mesmo tempo, para continuar sendo católico, deve-se identificar a Igreja de Cristo com a Igreja Católica.

• Ora, temos aqui uma questão de denominações, semelhante ao problema já visto acerca de Jesus Cristo. Afinal, pelo mistério da encarnação, em Cristo dá-se aquilo que a teologia chama “comunicação de idiomas”, a saber, que do homem Jesus se predica o que é próprio do Verbo divino, e do Verbo se predica o que é próprio do homem: embora Deus seja maior que o homem, o homem é Deus em Jesus Cristo. Era necessário, portanto, justificar uma análoga “comunicação de idiomas” entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica, i.e., era necessário, por um lado, conceder aos ecumênicos (ad extra) que a Igreja de Cristo era uma realidade maior que a Igreja Católica, por outro lado, dizer aos católicos (ad intra) que a Igreja Católica “é” a Igreja de Cristo, e fazer isto sem ser apanhado em flagrante contradição.

A noção de sacramento parece oferecer um fundamento para essa analogia necessária. Assim como Cristo é sacramento do Verbo enquanto o torna visível e operante, assim também a Igreja é sacramento de Cristo, na medida em que prolonga sua visibilidade entre as nações, à maneira de Povo de Deus. É bem verdade que quem quiser ser católico ecumênico há de reconhecer que toda verdadeira comunidade religiosa torna visível e operante o Verbo como imagem sua, e que todas ou quase todas são verdadeiras (exceto talvez as seitas fundamentalistas como a de São Pio X). Mas a solução está em reservar à Igreja Católica o privilégio da união pessoal: assim como Deus, embora esteja presente em todos os homens na medida em que são sua imagem e semelhança, está presente de um modo especial no homem Jesus Cristo, de modo que só d’Ele se pode afirmar a identidade: Jesus é Deus; da mesma maneira, embora o Verbo esteja presente em toda comunidade religiosa na medida em esta é sua imagem sacramental, razão pela qual todas constituem a super-Igreja de Cristo, não obstante isso nós, católicos, arrogamo-nos o privilégio de ser a única comunidade na qual Cristo permanece de um modo tão mais pleno, que se pode dizer que é Cristo Comunidade em pessoa. Daí que no caso da Igreja Católica, e só no dela, exista uma “comunicação de idiomas”.

Ora, essa genial, ainda que complexa, explicação revela cedo ou tarde a sua triste sina porque, no esforço de concordar com ecumênicos e católicos, acaba por desagradar a ambos. Aos católicos desagrada ouvir que a igreja de Cristo é algo maior que a Igreja Católica; aos ecumênicos, que a Igreja Católica está numa situação privilegiada em relação aos demais membros. Por isso nenhum neoteológo jamais quis alongar-se muito na exposição dessa teoria.

A solução, diante disso, foi reduzir a explicação à expressão mais breve e obscura possível, tomando de empréstimo a fórmula talvez mais difícil de toda a teologia escolástica — tão desprezada, nos demais casos, pela nova teologia. E assim chegamos ao: “subsistit in”, fórmula usada por Santo Tomás justamente para explicar como o verbo pode existir em duas naturezas:

“A pessoa de Cristo subsiste em duas naturezas; donde se segue que, embora haja ali um único subsistente, nele se dá uma dupla razão de subsistência. Neste sentido se diz que é pessoa composta, porquanto o uno subsiste em dois” (57).

Tal como dizemos que Jesus é Deus porque Deus subsiste na natureza humana, do mesmo modo, ao dizer-se que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica, pode-se justificar a afirmação de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo. A grande vantagem dessa expressão é que, apesar de resumir a genial explicação e portanto parecer suspeita a ambas as partes, resta o fato de que nem ecumênicos, nem católicos a entendem muito bem. Nas reuniões ecumênicas, “subsiste” pode ser traduzido por “contém” e nas católicas, por “é”. Assim podem todos ficar sossegados.

Afirmamos que ninguém entende muito bem o “subsistit in”, e poderiam retrucar-nos que nós tampouco o entendemos, porque a explicação que damos aqui não se encontra em outro lugar. Diga-se, a bem da verdade, que entender ou não entender não é o ponto central da questão. Estamos, em todo caso, convencidos de termos chegado à sua interpretação correta, e mais adiante daremos os argumentos. Antes disso, porém, precisamos considerar mais detalhadamente os textos do Concílio.

[…]

PARA CONCLUIR O “SUBSIST IN

1° Igreja, Igreja e Igrejas

Seguindo sua orientação democrática colegial, o Vaticano 1I dará especial ênfase à noção de “Igreja particular” dentro da Igreja universal:

“A união colegial aparece também nas mútuas relações de cada Bispo com as igrejas particulares e com a Igreja universal. O Romano Pontífice, como sucessor de Pedro, é perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis. E cada um dos Bispos é princípio e fundamento visível da unidade nas suas respectivas igrejas, formadas à imagem da Igreja universal, das quais e pelas quais existe a Igreja Católica, una e única (Lumen gentium n. 23)”.

O realce da Igreja particular viu-se facilitado ao evitar-em-se os aspectos jurídicos na definição da Igreja, optando-se pela noção de “sacramento”. Assim como a Igreja universal “em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (Lumen gentium n. 1), assim também a Igreja particular, estando “formada à imagem da Igreja universal” pode-se considerar por sua vez “sacramento” dela, de modo a, como imagem viva, torná-la presente e operante em cada lugar particular. Com efeito, a reunião da assembleia litúrgica em volta da mesa Eucarística, que poderíamos chamar de Igreja paroquial, é também, por sua vez, o “sacramento” mais concreto da Igreja particular.

A definição sacramental da Igreja, que se cumpre em toda assembleia eucarística, presta também excelentes serviços à finalidade ecumênica, porque permite que se dê o nome de verdadeiras “Igrejas” àquelas comunidades que, embora tenham se separado da estrutura hierárquica da Igreja Católica, conservem ainda os “elementos eclesiais” da Eucaristia e do sacerdócio. O reconhecimento desse apelativo, que nos contatos ecumênicos permite tratar com dignidade de irmãs as “Igrejas” cismáticas orientais e ajuda a engolir a pílula do “subsistit in”, na época do Concílio pôde ser apenas insinuado, sem maiores explicações, pois havia ainda muitas mitras que não estavam preparadas para ouvi (67).

As condições que permitiriam chamar de Igreja uma comunidade cristã separada foram definidas em dois documentos muito posteriores, da Congregação para a doutrina da fé: a carta Communionis notio, de 1992, e a declaração Dominus lesus, de 2000. O primeiro destes documentos propõe-se remediar o estado de cisma generalizado em que vão entrando muitos grupos católicos (68). Ali são advertidos de que não basta a assembleia Eucarística para que se tenha a Igreja completa, (69) de que não deviam esquecer-se do Papa. Mas apesar de uma frase forte sobre o “ministério petrino”, este é apresentado envolto no Colégio episcopal (70). De fato, esse “ministério” acaba por não ser lá tão essencial, se as comunidades efetivamente cismáticas que usurparam as cadeiras episcopais não deixam de merecer o título de Igrejas:

“Nas Igrejas e comunidades cristãs não católicas, existem com efeito muitos elementos da Igreja de Cristo que permitem reconhecer com alegria e esperança uma certa comunhão, ainda que não perfeita. Esta comunhão existe especialmente com as Igrejas orientais ortodoxas, as quais, embora separadas da Sé de Pedro, permanecem unidas à Igreja Católica mediante estreitíssimos vínculos, tais como a sucessão apostólica e a Eucaristia válida, e merecem por isso o título de Igrejas particulares.”

A Declaração Dominus lesus é publicada para mitigar os excessos do entusiasmo ecumênico de muitos católicos (71). Porém isto não a impede de reconhecer o título de “verdadeiras Igrejas particulares” às comunidades com Eucaristia e episcopado, e acrescentar que também nelas “está presente e operante a Igreja de Cristo”, o que ainda não se tinha dito com tanta clareza:

“Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele. As Igrejas que, embora não estando em perfeita comunhão com a Igreja Católica, se mantêm unidas a esta por vínculos estreitíssimos, como são a sucessão apostólica e uma válida Eucaristia, são verdadeiras Igrejas particulares. Por isso, também nestas Igrejas está presente e atua a Igreja de Cristo, embora lhes falte a plena comunhão com a Igreja Católica, enquanto não aceitam a doutrina católica do Primado que, por vontade de Deus, o Bispo de Roma objetivamente tem e exerce sobre toda a Igreja (n. 17)”.

O Concílio, dessa forma, não só duplica, mas triplica a noção de Igreja. Agora temos a Igreja de Cristo, a Igreja Católica e as Igrejas particulares, algumas das quais pertencem à Igreja Católica, enquanto outras não, o que não impede que todas pertençam à Igreja de Cristo. Nas Igrejas particulares católicas está presente e operante (fórmula que responde à noção da Igreja como “sacramento”) a Igreja Católica e a Igreja de Cristo, enquanto que nas Igrejas particulares não católicas só está presente e operante a Igreja de Cristo (72). Mas atenção: a Igreja de Cristo subsiste só na Igreja Católica e em nenhuma outra. Pois é, que confusão!

2° A hermenêutica da continuidade

Como as pessoas comuns tendem a ser muito simplórias, diante do espetáculo do ecumenismo muitos católicos passaram a ver a Igreja de Cristo como um mosaico de comunidades cristãs, entre as quais a Igreja Católica era só uma peça maior. E como a imagem formada pelo conjunto não fosse lá muito clara, muitos começaram a pensar que a unidade da Igreja de Cristo era só um objetivo a ser alcançado. Mas isto é um rompimento explícito e frontal com a Tradição, que acredita na indefectível unidade da Igreja. Por isso já em 1973 a Congregação para a doutrina da fé viu-se obrigada a recordar que a Igreja não perdeu sua unidade (73).

Mas o processo estava longe de ser freado, razão pela qual Roma lança, para o ano 2000, a operação resgate do “subsistit in”. Como já dito, esta misteriosa expressão foi empregue para cumprir duas tarefas: a tarefa “ad extra” de abrir a porta para o ecumenismo, dando a entender que a Igreja de Cristo não se identifica totalmente com a Igreja Católica, e a tarefa “ad intra”, de permitir a tradução, em caso de urgência, pelo bom e velho “est”. A tarefa ecumênica fôra cumprida com sucesso, e com tal sucesso que já pouco se acreditava na unidade da Igreja. Roma então faz soar o alarme e busca tirar da gaveta a interpretação primeira que o Concílio tivera em mente.

A II de março de 1985, a Congregação para a doutrina da fé já tinha publicado uma Notificação sobre o volume “Igreja: carisma e poder” do Pe. Leonardo Boff, onde constava um primeiro esclarecimento do significado de “subsistit in”, mas foi pouco conhecida (74). A operação, aparentemente conduzida pela equipe do cardeal Ratzinger (75), começa com a Dominus lesus, onde há apenas a advertência de que “com a expressão ‘subsistit in’, o Concílio Vaticano II deseja harmonizar duas afirmações doutrinárias”, que são as de que a Igreja de Cristo continua e existe plenamente na Igreja Católica, e de que é da plenitude católica que os elementa Ecclesiae derivam sua eficácia (76). Não explica como esse termo é capaz de harmonizar as duas afirmações, mas o mero fato de recordar que o subsistit in privilegia a Igreja católica sobre as demais Comunidades causou forte mal-estar no campo ecumênico.

Eleito Papa [sic] em abril de 2005, Bento XVI manifesta sua intenção de continuar o movimento ecumênico, porém declara-se mais preocupado com ameaça de naufrágio da Igreja. Sem mudar, portanto, a política ad extra — o Cardeal Kasper seguirá à frente do ecumenismo —, tentará bombear oxigênio tradicional no (esquizofrênico) governo ad intra. Em dezembro desse mesmo ano, no 40° aniversário da conclusão do Concílio, L’Osservatore Romano publica um importante artigo (três páginas inteiras) do Padre K. J. Becker – professor da Gregoriano, consultor da Congregação para a doutrina da fé e, segundo dizem, homem de confiança de J. Ratzinger — intitulado “Subsistit in” (Lumen gentium, 8) (77).

Apresenta o problema de maneira muito clara desde o começo:

“Hoje é opinião amplamente difundida que a expressão ‘subsistit in’ teria sido introduzida em consideração aos ‘elementa veritatis et sanctificationis’ presente nas outras comunidades cristãs e, portanto, com o fim de atenuar a identificação entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica”.

Depois de investigar as Atas das discussões que levaram à redação de Lumen gentium 8, conclui:

“Os bispos nunca puseram em dúvida a frase ‘Eclesia Christi est Ecclesia catholica’, ou seja, sua convicção de fé de que a Igreja de Cristo se identifica com a Igreja Católica. Não têm fundamento nas Atas as diversas tentativas de traduzir ou explicar o ‘subsistere in’ que não levem em conta a afirmação anterior. […] No que se refere à mudança de ‘est’ para ‘adest’ e de ‘adest’ para ‘subsistit’ [que as Atas registram], nunca se dá uma explicação. Parece possível a hipótese de que com o ‘est’ alguns deles tenham visto uma possibilidade de negar ou não ter suficientemente em conta a presença de elementos eclesiais nas comunidades cristãs. Portanto, o motivo seria, neste caso, terminológico e não doutrinal.”

Estuda, ademais, Unitatis redintegratio e Ut unum sint, e chega a uma feliz conclusão. O “subsistit in” não significa nada além de “permanece sendo”:

“O ‘subsistit in’ não só quer confirmar o significado de est, isto é, a identidade entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica, como também quer corroborar sobretudo o fato de que a Igreja de Cristo, com a plenitude de todos os meios instituídos por Cristo, persiste (continua, fica) para sempre na Igreja Católica.”

Apesar de a Dominus lesus dizer que o “subsistit in” harmoniza essa afirmação com a de que existem “elementos eclesiais” e verdadeiras “Igrejas” fora da Igreja Católica, Becker o nega; segundo ele, o problema continua aberto:

“Infelizmente, durante esses quarenta anos após o Concílio, um grande número de publicações propôs uma interpretação do ‘subsistit in’ que não corresponde à doutrina do Concílio. Entre os muitos motivos que levaram a isso, parece que o principal tenha sido um problema deixado em aberto pelo Concílio. Trata-se, ao fim e ao cabo, de harmonizar duas afirmações que o Concílio fez com idêntica clareza: 1° A Igreja de Cristo é a Igreja Católica e permanece nela para sempre em sua plenitude. Antes, durante e depois do Concílio, a doutrina da Igreja Católica foi, é e será esta. 2° Nas outras comunidades cristãs existem elementos eclesiais de verdade e santificação, que são próprios da Igreja Católica e impulsionam à unidade com ela.”

Para completar, diz que o adjetivo “eclesial” e, sobretudo, a denominação de “Igreja” que se dá às comunidades não católicas são termos que não teriam sustentação teológica:

“Por que tais ‘elementos’ são chamados de ‘eclesiais’? Uma primeira resposta poderia ser que são ‘eclesiais’ porque são próprios da Igreja Católica. Esta seria uma repetição da doutrina conciliar. Uma segunda resposta poderia ser que são ‘eclesiais’ porque dão às comunidades cristãs uma índole coletiva, e que esta índole merece a menção de ‘Igreja’ ou ao menos o título de ‘eclesial’. É verdade que estas comunidades tem um caráter coletivo, mas há que provar que esse caráter merece o título de Igreja. Que é que se entende com o título de ‘Igreja’ e como se pode provar que é teologicamente pertinente aplicá-lo às comunidades cristãs não católicas?”

Nem sequer podem ser justificados por uma suposta “presença e operação” da Igreja de Cristo — que é a Igreja Católica — nessas comunidades, a qual não é possível entender em sentido próprio, mas apenas translatício (78).

Mas não foi o Cardeal Ratzinger quem assinou mais de um documento afirmando que a Eucaristia válida e a sucessão apostólica bastam para comprar um verdadeiro título de “Igreja”? Bem, sim, mas Becker opina que não é suficientemente claro, e desde o Concílio os teólogos têm liberdade de opinião. E se o senhor pertence à Fraternidade São Pio X e está escandalizado com o “subsistit in”, é aconselhável que vá conversar com o Pe. Becker para se tranquilizar.

Na semana seguinte, L’Osservatore Romano volta à carga em defesa do “est” com um artigo de Monsenhor Fernando Ocáriz, sob o comprido título de Igreja de Cristo, Igreja Católica e Igrejas que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica:

“Como se sabe, esta célebre expressão — subsistit in — tem sido objeto de interpretações contraditórias. Teve e segue tendo particular difusão a ideia de que o Concílio não queria subscrever a afirmação tradicional de acordo com a qual a Igreja de Cristo é (est) a Igreja Católica, como constava no esquema preparatório, para poder afirmar que a Igreja de Cristo também existiria nas comunidades cristãs separadas de Roma. Na realidade, da análise das Atas do Concílio deduz-se que […] [cita a feliz conclusão de Becker]” (79).

Mas o artigo de Ocáriz visa também pôr em surdina a dissonante opinião de Becker sobre as “Igrejas” não católicas: o Concílio segue “o uso já tradicional do termo” ao denominar “Igrejas as comunidades cristãs não católicas”; não lhe dá “um sentido apenas sociológico ou antes honorífico”, mas sim teológico:

“Os subsequentes desenvolvimentos doutrinais e magisteriais sobre este assunto levaram a atribuir às comunidades cristãs não-católicas que preservaram o episcopado e a Eucaristia o título, certamente de natureza teológica, de Igrejas particulares”,

e faz referência à carta Communionis notio e à declaração Dominus lesus. A necessária presença da autoridade do Papa em toda Igreja particular “pode parecer um obstáculo insuperável para afirmar que as Igrejas não católicas ‘são verdadeiras Igrejas particulares’” mas a doutrina conciliar da “colegialidade” parece suficiente para pensar que onde há um episcopado — por mais cismático que seja — há algo de papado: ubi episcopus, ibi Petrus (80). Por fim, não se deve

“omitir outro aspecto de importância capital: as Igrejas particulares não católicas são verdadeiras Igrejas por causa do que há de católico nelas. A eclesialidade dessas Igrejas baseia-se no fato de que ‘a única Igreja de Cristo tem uma presença operativa nelas’ (Ut unum sint); e não são plenamente Igrejas — sua eclesialidade está ferida — devido à falta de elementos próprios da Igreja Católica. Em outras palavras, reconhecer o caráter de Igrejas a essas comunidades que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica implica necessariamente afirmar que, embora pareça um paradoxo, essas Igrejas também são porções [sic, em cursiva] da única Igreja, isto é, da Igreja Católica; porções em situação teológica e canônica anômala.”

Ocáriz é politicamente mais correto que Becker, mas tampouco poderá substituir Kasper no diálogo ecumênico, porque nenhum ecumenista lhe perdoará ter dito que as Igrejas não católicas são porções da Igreja Católica. O paradoxo é mais do que aparente.

Não, não é verdade que para o Concílio o “subsistit in” significa simplesmente “est”. Não foi sem motivo que retiraram o termo tradicional. Quando se diz que “a Igreja de Cristo está presente e operante nas Igrejas separadas” não se pode substituir Igreja de Cristo por Igreja Católica, como ingenuamente faz Ocáriz. Assim se peca contra o subsistit in, porque a Igreja de Cristo não é totalmente (non est omnino) a Igreja Católica, mas est somente enquanto subsiste nela. Além disso, há um pecado de indiscrição ao usar-se a palavra “porção”, porque fica muito explícito que essas Igrejas são porções da Igreja de Cristo — e não da Igreja Católica, como afirma Ocáriz —, que dessa forma se constitui em mosaico.

Seguindo o método usual desde o Concílio, depois de os teólogos terem dado a sua opinião, a Congregação para a Doutrina da Fé faz uma síntese. Esta vem à luz com as Respostas a algumas perguntas acerca de certos aspectos da doutrina sobre a Igreja, em 29 de junho de 2007. Nada de novo é dito, apenas se recupera a possibilidade de traduzir o “subsisti in” por “est”:

“Terceira pergunta: Por que se usa a expressão ‘subsiste nela’ e não simplesmente a forma verbal ‘é’? Resposta: O uso dessa expressão, que indica a plena identidade entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica, não muda a doutrina sobre a Igreja. A verdadeira razão pela qual foi usada é que mais claramente expressa o fato de que fora da Igreja se encontram ‘muitos elementos de santificação e de verdade que, como dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica’.”

3° Uma expressão trompeuse (81)

A nossa posição é que o verdadeiro significado do “subsistit in” não foi explicado por nenhum desses autores, e que não tem outro sentido senão o “tomista” que explicamos acima, explicação esta que não encontramos em nenhuma parte — que pretensão a nossa! Embora nos apoiemos sobretudo na análise do texto e da intenção de Lumen gentium 8, o Pe. Becker fornece um dado que reforça a nossa opinião. O genial inventor do “subsistit in” teria sido ninguém mais, ninguém menos que o Pe. Sebastian Tromp S. J., professor da Gregoriana de 1927 a 1967, consultor dos Papas desde Pio XI até João XXIII, considerado o principal assessor da Encíclica Mystici corporis de Pio XII, e teólogo assistente do Cardeal Ottaviani durante o pré-concílio e o Concílio. Tromp era membro da Comissão encarregada de redigir o esquema sobre a Igreja:

“Três pontos são certamente conhecidos — diz Becker no artigo citado acima. H. Schauf queria substituir ‘est’ por ‘adest’, enquanto S. Tromp respondia propondo ‘subsistit in’. Philips, moderador da discussão, constata a aceitação do ‘subsistit in’. A troca da comissão, bem como a troca de ‘est’ por ‘adest’. O sentido que os presentes atribuíram à expressão subsistit in permanece uma incógnita” (82).

A expressão “subsistit in” tinha que ter sido excogitada por um teólogo escolástico não muito familiarizado com a metafísica tomista, o que parece ser certamente o caso do Pe. Tromp, cujo teólogo de cabeceira não era Santo Tomás, mas São Roberto Belarmino. Todos os tratados dogmáticos clássicos pré-conciliares justificam a “communicatio idiomatum” em Cristo recorrendo ao argumento tomista: porque a pessoa do Verbo subsiste na natureza divina e também subsiste na natureza humana. A “comunicação de idiomas” ou propriedades é uma consequência da união hipostática, graças à qual, ao nos referirmos a Cristo, podemos dizer do homem o que é próprio de Deus e de Deus o que é próprio do homem: Este homem é Deus, é criador do céu e da terra; Deus é homem, morre na cruz. Subsistir é o modo próprio de ser das substâncias ou supósitos, que são em si, ao contrário de acidentes, que são em outro (na substância). Subsistir portanto é próprio da pessoa, que é uma substância ou supósito de natureza espiritual. Mas a pessoa subsiste de acordo com certa natureza, seja divina, angélica ou humana. Ora, há uma única pessoa que não subsiste de acordo com uma única natureza, e esta é a pessoa do Verbo, que subsiste como Deus desde toda a eternidade e subsiste como homem desde a Encarnação. Como dissemos acima, para expressar isto Santo Tomás usa a fórmula “subsiste em”: “A pessoa encarnada subsiste em duas naturezas, a divina e a humana” (83).

Todos os manuais dogmáticos que procuraram ser fiéis aos pedidos da Igreja e seguiram os princípios de Santo Tomás usaram esta expressão, apesar de que, para que seu significado e alcance real fossem bem entendidos, era preciso aprofundar os princípios da metafísica tomista, em especial a distinção entre essência e ato de ser, o que nem sempre ocorreu. Por exemplo, o franciscano Abárzuza, bom boaventuriano mas mau tomista, não se furta a empregá-la: “Tese 3ª. Em Cristo há uma só pessoa, que é a pessoa do Verbo, a qual subsiste em duas naturezas íntegras e inconfusas, a saber, a natureza divina e a natureza humana” (84). E da mesma forma, ao explicar a “communicatio idiomatum”, o jesuíta Solano diz:

“O Filho Unigênito de Deus, pessoa divina que subsiste na natureza divina, também tem natureza humana e aquilo que é próprio da natureza humana, de tal maneira que também a partir disso possa ser devidamente nomeado, v.g. como homem, padecido, crucificado. E por outro lado, Jesus, pessoa divina que subsiste na natureza humana, tem também natureza divina e o que é próprio da natureza divina, e pode ser corretamente nomeado com base nisso, v.g. como Deus, onipotente, criador” (85).

De acordo com a tradição e a exemplo de Mystici corporis, vimos que também Lumen gentium n. 8 propõe uma “profunda analogia” entre a relação do Verbo Encarnado com a natureza humana e a relação do “Espírito de Cristo” com a união social da Igreja”, isto é, entre o princípio divino oculto e o princípio humano visível em ambos os casos. Mas o que não era nada tradicional — e a pressão do Concilio parece ter pesado sobre Tromp (86) — é que, para constituir a Igreja de Cristo, o Espírito de Cristo se relacionasse não com uma única sociedade, a católica sob o Papa, mas com muitas outras não católicas também, constituídas pelos elementa Ecclesiae. Mas mesmo que seja necessário dizer algo novo: que o Espírito de Cristo ou a Igreja de Cristo está presente e operante nas outras sociedades visíveis, é preciso ao mesmo tempo continuar a afirmar algo velho: que somente a católica “é” a Igreja de Cristo. Sendo assim, a ampliação da analogia impõe-se de modo evidente: o Verbo não se uniu só à natureza humana de Cristo pela união hipostática, mas também a muitos outros homens pela graça, de modo que em todos eles se pode dizer que Cristo está presente e operante, ao passo que só do homem Cristo se pode dizer que “é” o Verbo divino. De modo que para defender o dogma católico da identificação da Igreja de Cristo com a Igreja Católica a efervescente cabeça do escolástico pensou: É preciso atribuir às sociedades não católicas uma união com a Igreja de Cristo análoga à da graça, e à sociedade católica uma outra, análoga à da união hipostática. Como expressá-lo? Pois se dissermos que o homem Cristo “é” o Verbo porque o Verbo “subsiste” nessa natureza humana particular e em mais nenhuma outra (de um outro homem em graça pode-se dizer que “tem Cristo”, mas não que “é” Cristo), teremos que dizer algo análogo da Igreja Católica: que a Igreja de Cristo “subsiste” nela. Perfeito!

Restava o problema de que esta contribuição da escolástica para a modernidade não podia ser compreendida pelos teólogos do pensamento moderno, que a ela tinham recorrido, pelo motivo de que entre estes não se usa essa expressão para nada. Por exemplo, Michael Schmaus, que no seminário do jovem J. Ratzinger era o campeão da ortodoxia, desconhece de todo em todo o uso desse termo (87). Mas nada disso importava. Era preciso pôr algo no lugar do “est”, e quanto mais misteriosa fosse a expressão escolhida melhor, pois era um expediente que não devia dar nas vistas. E tanto melhor se o seu autor fosse o mesmo que havia defendido o “est” em Mystici corporis!

Em uma conferência sobre “A eclesiologia da Lumen gentium”, publicada em L’Osservatore Romano, em 25 de agosto de 2000, o então Cardeal Ratzinger reconheceu que a origem do “subsistit in” tinha algo a ver com a escolástica e com a união hipostática, mas — parece-nos — também ele não estava em condições de o entender corretamente:

“Chegados a este ponto, precisamos analisar um pouco mais profundamente o significado da palavra ‘subsistit’. Com esta expressão o Concílio afasta-se da fórmula de Pio XII que, em sua encíclica Mystici corporis Christi dissera: a Igreja Católica ‘é’ (est) o único corpo de Cristo. Na diferença entre ‘subsistit’ e ‘est’ subjaz todo o problema ecumênico. A palavra ‘subsistit’ deriva da filosofia antiga, posteriormente desenvolvida pela escolástica. A ela corresponde a palavra grega ‘hypóstasis’, que na cristologia desempenha um papel fundamental para descrever a união das naturezas divina e humana na pessoa de Cristo. ‘Subsistere’ é um caso especial de ‘esse’. É o ser na forma de um sujeito ‘a se stante’. Aqui se trata precisamente disso. O Concílio quer dizer que a Igreja de Jesus Cristo, como sujeito concreto neste mundo, pode encontrar-se na Igreja Católica. Isso só pode acontecer uma vez, e a concepção segundo a qual o ‘subsistit’ se multiplicaria não corresponde ao seu sentido naquela ocasião. Com a palavra ‘subsistit’, o Concílio queria expressar a singularidade e não a multiplicabilidade da Igreja Católica: existe a Igreja como sujeito da realidade histórica” (88).

Ora, a expressão do Pe. Tromp é sem dúvida trompeuse, ou seja, enganosa. O “subsistit in” quis dar a entender um “est” de modo a poder dizer que “a Igreja de Cristo é e permanece sendo a Igreja Católica”, porém um “est” que não significasse a identidade absoluta — quando tudo o que é atribuído à Igreja de Cristo é atribuído também à Igreja Católica —, mas que deixasse espaço para algo fora dos limites visíveis da Igreja Católica, porque, caso contrário, é o fim do ecu-menismo: é preciso que a Igreja de Cristo exista de alguma forma nas demais comunidades religiosas que certamente não pertencem à estrutura visível da Igreja Católica. Como disse Ratzinger: “Na diferença entre ‘subsistit’ e ‘est’ subjaz todo o problema ecumênico”.

O verbo “subsistir” não se usa aqui somente em seu significado comum de “permanecer”, mas com o significado estrito de “ser em si e não em outro, como num sujeito” que é o modo de ser próprio das substâncias ou supósitos (89). É evidente, conduto, que não é entendido em sentido unívoco, mas analógico, pois uma sociedade não é uma substância. Ora, “subsistere in aliquo” não pode ser entendido de qualquer jeito, porque facilmente implicaria contradição. “Subsistere” é um modo especial de “esse”, e os escolásticos, seguindo Aristóteles, distinguem oito modos de “esse in aliquo(90). Não se pode dizer que algo subsista em outro como a parte no todo (1° modo), nem como a forma em seu sujeito (5°), porque subsistir se diz de algo completo, seja uma substância ou algo a modo de substância, e nem a parte nem a forma são um todo completo. No caso particular que consideramos, tampouco se pode dizer que a Igreja de Cristo subsista na Igreja Católica como o todo nas partes (2°), nem como o gênero na espécie (4°), nem como o conteúdo em seu continente (8°), pois apesar de todos esses modos poderem ser ditos de algo subsistente, em nenhum deles se poderia dizer propriamente que a Igreja de Cristo “est” a Igreja Católica (91). Resta então um único modo possível: como a espécie no gênero (3°); ou, o que é equivalente, como o indivíduo na espécie; ou, com absoluta precisão da linguagem, como o supósito na natureza. Assim como se diz que o homem subsiste no gênero dos animais, também se diz que Pedro subsiste na espécie do homem e, da mesma maneira, diz-se que a pessoa ou supósito (hipóstase) subsiste em certa natureza, seja humana, angélica ou divina. E em todos esses casos cabe a predicação “est”: O homem é animal; Pedro é homem; a pessoa é homem, anjo ou Deus. Dessa forma diz Santo Tomás que Cristo enquanto pessoa — i.e. o Verbo — subsiste na natureza humana e na natureza divina, podendo-se dizer, portanto, que est homem e est Deus (92).

Ao dizer-se, portanto, que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica, a intenção é afirmar que o sujeito quodammodo subsistente “Igreja de Cristo” tem como natureza própria a sociedade católica, cuja cabeça é o Papa, de tal maneira que nenhuma outra sociedade visível lhe pertença a modo de natureza própria. Ora, se ficarmos com esta explicação — como fizeram Becker e Ocáriz —, a Igreja de Cristo não seria nada além da Igreja Católica, sem sair jamais de seus limites, porque fora do modo católico estaria desnaturalizada. Pois bem, não é isso o que o Concílio deseja. Para dar espaço ao ecumenismo, é preciso ter em mente a analogia com Cristo, porque Cristo subsiste em sua concreta e particular natureza humana, sendo mais que esse homem que nasceu em Belém, ultrapassando seus limites, já que também é Deus com natureza divina. E como é Deus, pode se fazer presente e operante em outros homens. O Concílio então pretende afirmar que, tal como Cristo, a Igreja de Cristo pode subsistir em uma sociedade concreta e particular, a católica, e ao mesmo tempo ultrapassar seus limites, fazendo-se presente e operante em outras comunidades religiosas, uma vez que também tem natureza divina, conferida pelo Espírito de Cristo.

O único inconveniente dessa analogia é que a pessoa do Verbo pode, com efeito, subsistir numa natureza humana e ao mesmo tempo ultrapassá-la, mas única e exclusivamente porque é de natureza divina. Somente o Ato puro e infinito de ser, que inclui em si mesmo toda perfeição, pode assumir secundum subsistentiam outra natureza finita sem que isto implique contradição. Não cabe uma explicação detalhada aqui, pois seria necessário tratar do que há de mais profundo na metafísica tomista, mas o fato é que Santo Tomás é taxatiVo ao afirmá-lo: “O próprio da pessoa divina é que, devido à sua infinidade, nela podem coincidir diversas naturezas, não de modo acidental, mas segundo a subsistência” (93). É absolutamente contraditório que uma realidade criada — por mais que participe do divino — subsista em duas naturezas: ou tem uma ou tem outra, mas não as duas. A Igreja de Cristo, por mais que a consideremos divina, não é o Ato puro nem tem essência infinita. Há portanto só duas possibilidades, uma herética e a outra católica:

• Se se disser que a Igreja de Cristo de alguma maneira — incompleta ou como quer que seja — se encontra fora da sociedade católica, em comunidades não católicas, segue-se necessariamente que não subsiste na sociedade católica, uma vez que, se lhe for natural existir em modo católico, não poderá ocorrer sem esse modo.

• Se se disser que a Igreja de Cristo subsiste na sociedade católica como em sua natureza própria, segue-se que “é” a Igreja Católica e não a ultrapassa de modo nenhum. E se fosse verdade que está presente e operante nas comunidades não católicas — o que não é o caso! —, então, para o desgosto de todas elas, seria a Igreja católica que estaria presente e operante. Becker e Ocáriz, portanto, teriam razão, mas não era essa a intenção do Concílio.

4° Outra hermenêutica mais nova

Dissemos já que em muitas proposições do Concilio se manteve uma maquiavélica ambiguidade, e o caso que estamos considerando é provavelmente o mais notório. Como vimos, aqui uma palavra escolástica foi injetada num pensamento moderno, e as peças infelizmente não se encaixam. Até aqui vimos interpretando o verbo “subsistir” em seu significado de origem escolástica, numa tentativa de

“hermenêutica da continuidade” que redundou em fracasso. Mas já tínhamos feito a ressalva de que, mesmo no único sentido possível da expressão “algo subsiste em algo”, a maneira como o Concílio a emprega é inadequada. Com efeito, o primeiro “algo” deve significar um sujeito capaz de subsistir, ao passo que o segundo “algo” deve significar uma natureza ou modo substancial de ser. Pode-se dizer: “O Verbo subsiste na natureza humana”, ou “subsiste na humanidade”, mas não se pode dizer: “O Verbo subsiste no homem” porque “homem aí aparece como outro sujeito ou supósito, e é contraditório dizer que um sujeito que subsiste, i.e., que é em si, seja ao mesmo tempo em outro como em seu sujeito. Seria preciso fazer uma contorção para que não seja considerado sujeito, mas natureza, por exemplo: “O verbo subsiste como homem”, ou “enquanto homem”. Não é, portanto, adequado dizer: “A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica”, porque “Igreja Católica” está aí como um segundo sujeito. Seria preciso valer-se de expressões tais como: “A Igreja de Cristo subsiste como Igreja Católica” ou “a Igreja de Cristo subsiste enquanto eclesialidade católica” (a abstração da Igreja). Ao afirmar que um sujeito concreto (a Igreja de Cristo) subsiste em outro sujeito concreto (a Igreja Católica), a expressão conciliar dá a entender que o verbo “subsistir” não está aí em seu sentido forte, o de “ser em si e não em outro como em seu sujeito”, mas que teria o significado comum de “permanecer”. Mas nesse caso, dos oito modos de “ser em algo”, só caberia o oitavo: como o conteúdo no continente, porque é o único que se pode aplicar a dois sujeitos concretos: o vinho permanece ou subsiste na garrafa.

Não digo tanto o atabalhoado autor (que me perdoe o Pe. Tromp se não foi ele), mas sem dúvida os nada ingênuos promotores dessa expressão quiseram, mesmo que nunca o venham a admitir, jogar com sua ambiguidade, mesmo porque a maioria dos simplórios ecumênicos imagina a Igreja de Cristo como um conteúdo espiritual que se encontra em diversos recipientes visíveis, o católico e outros ademais. É bem verdade que essa versão já tinha sido condenada pelo Magistério pré-conciliar, em particular por Mystici corporis, mas os neoteólogos, que de simplórios não têm nada, afirmam terem escapado à condenação, aplicando a finta da noção “sacramental” da Igreja.

Esses teólogos — que carecem de metafisica e concebem a substância à maneira kantiana — entendem que a sentidos) que se faz presente e operante como contida sob o sinal visível ou “sacramento” da lgreja Católica (fenômeno sensível), de modo que quem olhar com os olhos da fé verá o mistério contido no sinal. A Igreja-mistério, portanto, faz-se presente por meio de qualquer comunidade cristã, mas a Igreja Católica é um sinal tão completo e patente que é como se fizesse presente a Igreja de Cristo em sua própria realidade substancial (ninguém sabe ao certo o que se quer dizer com substância). Daí que sua representatividade sacramental mereça um nome especial, e o “subsiste” então vem a calhar. Também nessa versão podemos dizer que “a Igreja de Cristo é a Igreja Católica”, ainda que não de modo próprio e estrito, mas só como figura retórica, como quando se diz “vinho” referindo-se à “garrafa com vinho”.

Se nós católicos ingênuos ficamos escandalizados com o “subsistit” do Concílio, foi por o termos lido de maneira simples, como conteúdo que permanece no continente — a única leitura possível da expressão tomada em seu sentido básico — e por termos visto que era dessa maneira que estava funcionando nos encontros ecumênicos. Agora poderíamos aceitar que a intenção do Concílio foi a de abrir as portas do ecumenismo, resguardando ao mesmo tempo a possibilidade de atribuir a “subsistit” o sentido forte de “est”. Pois bem, essa intenção meio católica fracassou por inteiro, minada pela contradição. Resta reconhecer que o Vaticano II quis cobrir as vergonhas do ecumenismo com os andrajos de um grande sofisma.

5° Apenas um chamariz

Eis que saímos novamente do que seria o modo próprio de uma síntese — que é o que este trabalho pretende ser — para encerrar de uma vez por todas o assunto do “subsistit”.

Agora, depois de tudo o que foi dito, podemos concluir que essa famosa expressão não passou de uma impostura. Sim, sabemos que a explicação por nós dada não deve agradar a mais ninguém além do próprio autor destas páginas. Mas é preciso saber também que o fato de explicar ou não tem pouca importância, pois esse condensado de enormes e deliberadas confusões foi posto justamente como um chamariz para prender a atenção e manter ocupados os adversários da via católico-ecumênica, tanto católicos como não católicos. O que, no que diz respeito à parte católica, não se quer que seja discutido ou revisado são os mencionados “elementa Ecclesiae”. Aqui esta o calcanhar de Aquiles do ecumenismo conciliar, já que toda a Tradição católica tem sido claríssima ao considerar esses “elementos eclesiásticos” como simples “vestígios” ou ruínas da Igreja Católica, que em falsas seitas e religiões permanecem mortos e inoperantes.

O principal de todos esses “elementos”, como vimos, é o episcopado válido, do qual depende a Eucaristia válida, e que suporia a sucessão apostólica e certo vínculo necessário com o Papa. É o episcopado que radicalmente permitirá considerar as comunidades dos cismáticos orientais como verdadeiras Igrejas particulares. Mas não há tratado teológico da Igreja que não ensine, como verdade evidente e indiscutível, que as cátedras episcopais das Igrejas orientais foram usurpadas pelos cismáticos, carecendo de verdadeira sucessão apostólica. Façamos uma breve excursão por alguns dos tratados que temos à mão.

Ao tratar da nota de apostolicidade, o Cardeal Billot apresenta a seguinte tese:

“A apostolicidade do ministério ou regime está intimamente ligada à apostolicidade de origem, a qual brilha sobretudo na Igreja Católica pela sucessão dos Bispos romanos na Sé de Pedro; em outros lugares, ao invés, falta de um modo tão evidente que, por este quesito, todas as seitas separadas que existem no mundo são marcadas pela nota óbvia e muito manifesta de ilegitimidade” (94).

H. Mazzella descreve a nota de “apostolicidade” da seguinte maneira:

“E a substituição pública, legítima, perene, i.e., jamais interrompida das pessoas em lugar dos Apóstolos, para reger e apascentar a Igreja” […] “Diz-se legítima, aliás — explica —, tanto da parte daquele que outorga a potestade quanto daquele que a recebe, e por parte do modo como essa potestade é conferida, pois dita transmissão deve ser de acordo com a norma do direito. Diz-se perene ou ininterrupta, tanto materialmente, na medida em que não faltam pessoas que substituam os Apóstolos; como também formalmente, na medida em que essas mesmas pessoas substitutas entrem em posse da autoridade derivada dos Apóstolos recebendo-a daquele que atualmente a tem e pode comunicá-la [isto é, o Papal” (95).

Evidentemente, as Igrejas cismáticas poderão contar com uma sucessão apostólica material, mas não formal.

Em seguida, o mesmo autor se pergunta: “Como é possível saber se uma sociedade, que reivindica para si mesma o nome de Igreja de Cristo, é ou não apostólica?” Para responder faz uma distinção: “Nos sucessores dos Apóstolos pode-se distinguir a ordenação ou consagração, e a vocação ou missão; e a partir disso uma dupla potestade, de ordem e de jurisdição”. E acrescenta uma observação:

“A mesma missão legítima se obtém ou se supre pela adesão ao centro de unidade, isto é, à suprema potestade da Igreja. Pois, como no centro de unidade reside a plenitude da autoridade apostólica, isto faz com que possa comunicar a apostolicidade e sanar qualquer defeito que obste à apostolicidade.”

E conclui:

“Disso segue-se um corolário de máxima importância, isto é, que a comunhão com o centro de unidade basta para reconhecer a apostolicidade. Pois a apostolicidade da sucessão compreende a ordenação ou consagração e a missão; a legítima ordenação se supõe ou infere justificadamente se há constância da legítima missão; e a legítima missão se obtém ou se supre pela adesão ao centro de unidade. Portanto, se se prova tal adesão, ao mesmo tempo se mostra a adequada apostolicidade” (96).

Nas igrejas cismáticas falta justamente a adesão ao Papa, centro de unidade. Por isso mais à frente o autor afirma: “Aos gregos cismáticos lhes falta: A nota de unidade […] a nota de santidade […] a nota de apostolicidade, como se pode coligir suficientemente do que foi dito acerca da apostolicidade” (97).

Salaverri defende, naturalmente, a mesma doutrina:

“Entre os protestantes e cismáticos não pode haver uma verdadeira sucessão apostólica formal. A verdadeira apostolicidade da sucessão formal só pode haver dentro da unidade e catolicidade […] [Esta] não pode haver entre aqueles que não conservam o Corpo de Pastores da Igreja constituído segundo a razão com que Cristo constituiu o Colégio dos Apóstolos, i.e., sob a única autoridade e primazia de São Pedro e seus sucessores” (98).

Não possuem a sucessão formal, e nem sequer a sucessão material é evidente:

“A apostolicidade da sucessão material não convém tão plena e evidentemente aos protestantes e cismáticos como à Igreja romano-católica. Portanto, a apostolicidade da sucessão material não pode ser proposta como nota pelos protestantes e cismáticos contra a Igreja romano-católica” (99).

E concluindo o assunto das Igrejas cismáticas, Salaverri diz:

“A razão principal desses defeitos sofridos pelas igrejas dos cismáticos, como reconhece o próprio Heiler, insigne admirador das mesmas, radica sem dúvida em sua separação do Primado de São Pedro e de seus sucessores, a quem Cristo deu as chaves do Reino dos céus, a quem constituiu fundamento e supremo juiz da Igreja, a quem confiou o cuidado de confirmar seus irmãos e apascentar seu rebanho. E por isso carecem do verdadeiro e visível princípio de unidade, infalibilidade, fecundidade, vigor, independência, liberdade e vida, que Cristo divinamente estabeleceu” (100).

Atribuir, portanto, a “sucessão apostólica” às igrejas cismáticas como se fosse legítima e formal, e sem esclarecer que é usurpada e material — como a Congregação para a Doutrina da Fé faz em sua carta Communionis notio e na declaração Dominus lesus — caracteriza uma ruptura gritante com toda a Tradição eclesiástica desde os primeiros séculos, pois desde o início a Igreja teve que lidar com bispos cismáticos, Para chegar a esse ponto, foi preciso confundir e apagar em especial a distinção entre poder de ordem e jurisdição. Mas um bispo sem missão ou jurisdição, como os bispos cismáticos, é um galho seco, separado de Cristo e da Igreja, incapaz de dar frutos:

“A potestade espiritual — ensina Santo Tomás ao tratar do cisma — é dupla: a sacramental e a de jurisdição. A potestade sacramental é a conferida pela consagração. Pois bem, todas as consagrações da Igreja são permanentes enquanto durar a consagração, como é evidente no caso das coisas inanimadas. Assim, não se consagra uma segunda vez o altar já consagrado, a menos que seja destruído. Portanto, essa potestade permanece essencialmente no homem que a recebeu por consagração, enquanto for vivo, ainda que incorra em cisma ou heresia. Isto é evidente, uma vez que não é consagrado de novo ao retornar ao seio da Igreja. Porém, visto que a potestade inferior não deve ser atualizada senão pela moção de um poder superior, como de resto é evidente nas coisas naturais, segue-se disso que tal homem perde o uso de sua potestade, de modo que não lhe seja permitido servir-se dela. Não obstante, caso venha a servir-se dela, resulta um efeito no plano dos sacramentos, já que neles o homem age como simples instrumento de Deus, e por isso os efeitos sacramentais não são impedidos pelas culpas que por ventura pesarem sobre o ministro dos sacramentos. A potestade de jurisdição, por outro lado, é conferida por simples intimação humana. Essa potestade não é adquirida de maneira irreversível, e portanto não permanece nem no cismático, nem no herege. Desse modo, não podem nem absolver, nem excomungar, nem conceder indulgências ou coisas do tipo e, se o fizerem, carecerão de valor” (101).

VI. A ESTRATÉGIA AD EXTRA DO VATICANO II

Parece que agora estamos em condições de compreender a estratégia ad extra do Concílio Vaticano II.

1° A ilusão conciliar

O gênero humano — segundo o Concílio — foi eleito por Deus para constituir seu Reino para além da história, onde alcançará a plenitude de imagem de Deus através da plena liberdade. Na história, esta plenitude final é preparada pelo progresso dos valores humanos: de uma liberdade em igualdade para todos, que não conduza à divisão pelo egoísmo, mas à unidade pela fraternidade universal. Em resumo, o Reino viria a nós, como pedimos no Pater, na medida em que o homem se tornasse mais homem.

Para favorecer este processo, Deus instaurou em Cristo-Homem a sua Igreja, a reunião de todos aqueles que, por uma especial vocação religiosa e sacerdotal, antecipam o modo futuro do Reino e vivem a religiosidade de um modo visível e social. Esta Igreja é o “sacramento” do Reino, i.e., um sinal ou imagem visível do Reino futuro, com eficácia ex opere operato para dispor o gênero humano para o advento final do Reino. Os homens, ao verem essas comunidades religiosas vivendo em liberdade, igualdade e fraternidade em sua esfera extraterrena, seriam então movidos a instaurar esses mesmos valores na esfera terrena. A Igreja, dessa maneira, continuaria a missão sacerdotal de Cristo.

Mas eis que surge um duplo obstáculo para a preparação do Reino:

• O pecado de teocratismo, cometido pela Igreja Católica na Idade média, provocou a reação antirreligiosa nos estados, impedindo-lhes de comungar com o “sacramento universal de salvação”, que consiste na aceitação pacífica da presença da Igreja de Cristo no meio das Nações.

• O pecado do doutrinalismo, cometido também pela Igreja Católica na mesma época, fez com que excomungasse todo aquele que não aceitasse de A a Z a teologia de cultura greco-romana adotada pela hierarquia em Roma. Desta forma, perdeu seu brilho o testemunho de liberdade, igualdade e fraternidade que devia chegar até às nações pela Igreja de Cristo, que se dividiu numa multidão de seções cristãs e não se mostrou capaz de incorporar religiões não cristãs.

O Concílio Vaticano II, reconhecendo pela primeira vez na história que a Igreja é santa, mas nem tanto, já que também é pecadora, decidiu reparar ambos os pecados, estabelecendo uma estratégia de curto prazo a fim de superar os dois obstáculos à vinda do Reino:

• Promover, na esfera mundana, a liberdade religiosa, para reparar seu teocratismo. Porque a nação que reconhece o direito civil à liberdade religiosa põe-se sob o reinado social de Cristo Rei, uma vez que comunga com a Igreja total, “sacramento” que torna presente Cristo e o Reino, passando a integrar, assim, a Nova Cristandade.

• Promover, na esfera religiosa, o ecumenismo, para reparar seu doutrinalismo. Porque se o mundo não vê brilhar a liberdade, igualdade e fraternidade na esfera religiosa, i.e., na Igreja total, esta não pode cumprir sua função sacramental de imagem de Cristo e do Reino. Pelos laços do ecumenismo começa a brilhar pelo menos a tripla unidade de que falou João XXIII: 1° a unidade estreita dos católicos, em que a Igreja total subsiste; 2° a unidade ampla das Comunidades cristãs, ligadas pelos “elementa Ecclesia”; 3° a unidade amplíssima das Religiões, ligadas pelos “semina Verbi” (102).

A estratégia de longo prazo para alcançar a unidade histórica da humanidade, como disposição imediata para a unidade transcendente do Reino, também é necessariamente dupla:

• Alcançar a unidade da esfera religiosa numa Igreja universal, sob a presidência do Papa, apoiado por um Conselho de Religiões unidas, no exercício de um novo modo do Primado, não doutrinal e que respeite a dignidade das diversidades.

• Alcançar a unidade na esfera política num Mundo global, sob a presidência de um imperador (?), apoiado por um Conselho das Nações unidas, que exerça sua autoridade de um modo democrático, com a força necessária para evitar as guerras e defender os direitos humanos.

A ideia é que ambas as esferas se unam quando da volta de Cristo.

2° A realidade católica

Se o coração dos homens não for elevado a Deus, de um lado pela verdade — defendida pelo Magistério —, do outro pela graça — infundida pelos sacramentos da Igreja —, cairá certamente no egoísmo e será dominado por Satanás. E o que vale para os indivíduos, vale também para a sociedade.

Por mais que não o queiram admitir, é certo que todo ordenamento político está necessariamente fundado numa concepção religiosa, pois nenhum homem pode persuadir os demais a obedecerem-no, a não ser em ordem aos bens últimos (verdadeiros ou aparentes) superiores a qualquer homem, com relação aos quais se constitui o que chamamos de religião (103). Isso faz que sempre e necessariamente a autoridade suprema entre os homens tenha um caráter religioso sacerdotal. Na Cristandade, os reis reconheciam essa supremacia no Papa, como Vigário de Jesus Cristo. Em razão dessa mesma necessidade, as falsas religiões são estruturas de Satanás para dominar politicamente os homens, em especial a Sinagoga e também o Islã. Se as seitas protestantes não chegaram a constituir a alma de nenhum ordenamento político, foi porque já nasceram dentro do processo que levaria à nova ordem liberal, cuja religião é o humanismo maçônico.

A ilusão conciliar põe, por mais inconcebível que isto nos pareça, a estrutura da Igreja a serviço do humanismo liberal. Se vingasse a proposta de coroar um Imperador mundial, este se veria necessariamente na condição de verdadeiro pai espiritual da humanidade — já que a alegada separação liberal das duas esferas, religiosa e política, é uma grande mentira —, enquanto o Papa não passaria de um escravo seu: o Prometeu acorrentado. Estariam unidas então (oh, quem poderia imaginar?) as duas esferas, porém não graças à vinda de Cristo com seu Reino eterno, antes por causa da aparição do Anticristo com seu efêmero reinado de três anos e meio (104).

E desse advento é que o Vaticano II se constitui Profeta.

Notas:

57. III, q. 2, a. 4: “Persona Christi subsistit in duabus naturis. Unde, licet st ibi num subsistens, est tamen ibi alia et alia ratio subsistendi. Et sic dic-itur persona composita, inquantum unum duobus subsisti”. Cf. III, q. 2, a. 1 ad 2: “Unus enim Christus subsistit in divina natura et humana”; q. 3, a. 6 sed contra: “Persona incarnata subsistit in duabus naturis, divina scilicet et humana”; q. 24, a. 1 ad 2: “Praedestinatio attribuatur personae Christi, non quidem secundum se, vel secundum quod subsistit in divina natura; sed secundum quod subsistit in humana natura”.

[…]

67. Em Unitatis redintegratio n. 1, esse título é introduzido como mera pretensão das comunidades separadas: “Este movimento de unidade é chamado ecumênico. Participam dele os que invocam Deus Trino e confessam a Cristo como Senhor e Salvador, não só individualmente mas também reunidos em assembleias. Cada qual afirma que o grupo onde ouviu o Evangelho é Igreja sua e de Deus”. Mas em seguida passa a ser usado como se fosse um título legítimo: “Também não poucas ações sagradas da religião cristã são celebradas entre os nossos irmãos separados. Por vários modos, conforme a condição de cada Igreja ou Comunidade, estas ações podem realmente produzir a vida da graça. Devem mesmo ser tidas como aptas para abrir a porta à comunhão da salvação. Por isso, as Igrejas e Comunidades separadas, embora creiamos que tenham defeitos, de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação. Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja Católica” (Unitatis redintegratio n. 3).

Adiante ficará claro que as denominações de “Igreja” e “comunidade” não foram escolhidas por acaso.

68. Congregação para a doutrina da fé, carta Communionis notio, sobre alguns aspectos da Igreja considerada como Comunhão, de 28 de maio de 1992, n. 8:

“Igreja universal é assim o Corpo das Igrejas, pelo que é possível aplicar de modo analógico o conceito de comunhão também à união entre as Igrejas particulares e entender a Igreja universal como uma Comunhão de Igrejas. Às vezes, porém, a ideia de “comunhão de Igrejas particulares” é apresentada de tal modo que enfraquece a concepção da unidade da Igreja, sob o plano visível e institucional. Chega a afirmar-se que cada Igreja particular é um sujeito em si mesmo completo, e que a Igreja universal é o resultado do reconhecimento recíproco das Igrejas particulares.”

69. Communionis notio n. 11: “A unidade ou comunhão entre as Igrejas particulares na Igreja universal, além de estar fundada na mesma fé e no Batismo comum, está radicada sobretudo na Eucaristia e no Episcopado. […] A redescoberta de uma eclesiologia eucarística, com seus inquestionáveis valores, foi às vezes expressa com acentuações unilaterais do princípio da Igreja local. Afirma-se que, onde se celebra a Eucaristia, a totalidade do mistério da Igreja estaria presente, de modo a considerar-se como não essencial qualquer outro princípio de unidade e universalidade. Outras concepções, sob diferentes influências teológicas, tendem a radicalizar ainda mais essa perspectiva particular da Igreja, até o ponto de considerar que é simples reunir-se em nome de Jesus (cf. Mt 18,20) o que gera a Igreja: a assembleia que em nome de Cristo se torna comunidade teria em si os poderes da Igreja, incluindo o relativo à Eucaristia; a Igreja, como alguns dizem, nasceria ‘da base’”.

70. Communionis notio n. 13: “O Bispo é princípio e fundamento visível da unidade na Igreja particular confiada ao seu ministério pastoral, mas para que cada Igreja particular seja plenamente Igreja, isto é, presença particular da Igreja universal com todos os seus elementos essenciais, constituída portanto à imagem da Igreja universal [> noção “sacramental” da Igreja], nela deve estar presente, como elemento próprio, a suprema autoridade da Igreja: o Colégio episcopal juntamente com a sua Cabeça, o Romano Pontífice, e nunca sem ele” (Lumen gentium n. 22).

Logo vem a frase forte: “De fato, o ministério do Primado comporta essencialmente uma potestade verdadeiramente episcopal, não só suprema, plena e universal, mas também imediata, sobre todos, quer sejam Pastores ou outros fiéis. O fato do ministério do Sucessor de Pedro ser interior a cada Igreja particular é expressão necessária dessa fundamental mútua interioridade entre Igreja universal e Igreja particular.”

Fala-se de um “potestade imediata” sobre Pastores e fiéis, referida em nota a nada menos que a Constituição Pastor aternus do Vaticano I. Mas não se deixa de colegializá-la estranhamente, ao considerá-la “um poder verdadeiramente episcopal”. Como nunca se consideram as coisas do ponto de vista da jurisdição, tampouco se chega a saber em que afinal a potestade do Papa seria superior.

71. Congregação para a doutrina da fé, Declaração Dominus lesus sobre a unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, 6 de agosto de 2000, n. 4: “O perene anúncio missionário da Igreja é hoje posto em causa por teorias de índole relativista, que pretendem justificar o pluralismo religioso”. Segue uma espantosa lista de heresias que circulam entre os “católicos”.

72. A Igreja de Cristo também está presente e operante nas Comunidades eclesiais que não chegam a ser Igrejas particulares? Parece que também está, ainda que um pouco menos: “As Comunidades eclesiais, ao invés, que não conservaram um válido episcopado e a genuína e integra substância do mistério eucarístico, não são Igrejas em sentido próprio. Os que, porém, foram batizados nestas Comunidades estão pelo Batismo incorporados em Cristo e, portanto, vivem numa certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja” (Dominus lesus n. 17).

Nada impede que esteja presente também, ainda que um pouco menos, nas Comunidades religiosas não cristãs, como os animistas africanos.

73. Congregação para a doutrina da fé, Declaração Mysterium Ecclesiae, 24 de junho de 1973: “Os fiéis não podem, por conseguinte, figurar-se a Igreja de Cristo, como a soma — diferenciada e, de algum modo, unitária ao mesmo tempo — das Igrejas e comunidades eclesiais; e também não lhes é lícito supor que a Igreja de Cristo hoje em dia já não exista em parte alguma, e que, portanto, não deva ser considerada senão como um objetivo que todas as Igrejas e comunidades têm o dever de procurar.”

74. Em seu livro, L. Boff diz que, assim como a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica, subsiste também em outras Igrejas cristãs. Ao que a Notificação responde:

“O Concílio escolheu a palavra ‘subsistit’ precisamente para esclarecer que existe só uma “subsistência” da verdadeira Igreja, enquanto que, fora de sua estrutura visível, existem apenas ‘elementa Eclesiae’, os quais – sendo elementos da mesma Igreja — tendem e conduzem à Igreja Católica.”

75. João Paulo II não parece tão rigido no uso do “subsistit in”. Como Ocáriz observa, num artigo que citaremos mais adiante, “João Paulo II afirmou que nas Igrejas particulares ‘subsiste a plenitude da Igreja universal’ [1986], bem como que ‘a mesma Igreja Católica subsiste em cada Igreja particular’ [1987] ] (…) [Apesar disso] é mais exato afirmar, como reza o texto do decreto Christus Dominus, que na Igreja particular a Igreja de Cristo está presente e opera (inest et operatur); ou então que nas Igrejas particulares existe (existit) a Igreja universal”.

76. Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Dominus lesus n. 16: “Os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica — radicada na sucessão apostólica — entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja Católica […] Com a expressão ‘subsistit in’, o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações doutrinais: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que “existem numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua composição” (Lumen gentium, n. 8), isto é, nas Igrejas e Comunidades eclesiais que ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja Católica, [referência à Notificação de Boff]. Acerca destas, porém, deve afirmar-se que “o seu valor deriva da própria plenitude da graça e da verdade que foi confiada à Igreja Católica” (Unitatis redintegratio n. 3).

77. L’Osservatore Romano edição espanhola, n. 49, 9 de dezembro de 2005, p. 8 a 10. No artigo “Karl Josef Becker”, da Wikipédia em inglês (perdão pela referência), lê-se: “De acordo com John L. Alien, Jr., Becker teve o respeito e a confiança do Cardeal Joseph Ratzinger, o antigo prefeito da congregação doutrinal. A mais de um teólogo com problemas aconselhou que fosse ‘falar com o Padre Becker’”.

78. K. J. Becker S. J., “Subsistit in” (Lumen gentium 8), epílogo: “Uma terceira resposta justifica o adjetivo eclesial com uma presença e ação da Igreja de Cristo. Ora, em sentido próprio, isto não é possível, já que a Igreja de Cristo, que é a Igreja Católica, em sua integridade não está presente e operativa nas comunidades cristãs. Uma subsistência parcial nelas é uma ‘contradictio in’ adjecto, já que seria uma existência ao mesmo tempo plena e parcial. No sentido translatício, por outro lado, é possível. Quando alguém diz que as Nações Unidas restabeleceram a ordem em certo país, está na verdade falando das tropas que agiram sob as ordens das Nações Unidas, mas que não são as Nações Unidas, nem sequer em parte. Em um sentido parecido, mas não idêntico, pode-se dizer que a Igreja de Cristo opera nas comunidades cristãs, já que Cristo, enquanto cabeça (e não corpo) da Igreja, pelo Espírito, alma ( e não corpo) dela, opera nessas comunidades. Cristo e o Espírito operam nelas reforçando os elementos que impulsionam à uma unidade dos cristãos na única Igreja. Quem com o concílio Vaticano II defende a perpétua permanência de todos os meios de salvação instituídos por Cristo na Igreja Católica está também completamente disposto a levar em consideração os problemas que o Vaticano II deixou em aberto. Mas encontra em sua doutrina normas claras para enfrentá-los e resolvê-los”.

79. L’Osservatore Romano edição espanhola, n. 50, 16 de dezembro 2005, р. 10.

80. Caricaturamos o argumento. Diz assim: “Uma possível via de reflexão é a que se refere à presença real do primado petrino (e do Colégio de episcopal) nas Igrejas não católicas, a qual se funda na unidade do episcopado, ‘uno e indiviso’: uma unidade que não pode existir sem a comunhão com o Bispo de Roma”. Que decepção para os patriarcas ortodoxos descobrirem que é inevitável a comunhão com o Papa! Para escapar dela, só deixando de serem bispos.

81. N.T.: “trompeuse”, do francês, significa “falsa”, “enganadora”, trocadilho com o nome do Pe. Tromp, como logo se verá.

82. Uma discípula de Becker, Alexandra von Teuffenbach, confirmou essa tese no seu estudo do diário do Concílio de S. Tromp, Konzilstagebuch Sebastian Tromp SJ mit Erläuterungen und Akten aus der Arbeit der Theologischen Kommission, 2006, Editora Pontifícia Universidade Gregoriana. Não se pode dar crédito à versão que põe, como autor do “subsistit in”, Wilhelm Schmidt, Pastor da Igreja protestante de Santa Cruz em Bremen-Horn, que haveria feito tal sugestão ao próprio Padre Ratzinger, teólogo no Concílio do Cardeal Frings. Como veremos mais adiante, o Cardeal Ratzinger diz que esta expressão é proveniente da escolástica, e um pastor protestante não costuma ser lá muito escolástico.

83. III, q. 2, a. 1 ad 2.

84. Javier de Abárzuza OFM, Teologia del Dogma Católico, 3ª ed. Studium, Madrid 1970, p. 411.

85. P. Jesús Solano S. J., Tractatus de Verbo incarnato, em Sacrae theologiae Summa, vol. III, BAC, Madrid 1953, p. 164.

86. Em seu artigo, Becker sugere um estado de nervosismo em Tromp: “A gravação dá mais informações. Mostra que Schauf rejeita ‘adest’ por ser pouco preciso. Imediatamente Tromp replica: ‘Possumus dicere: itaque subsistit in Ecclesia caholica, et hoc est exclusivum (em um tom muito forte), in quantum dicitur: alibi non sunt nisi elementa. Explicatur in textu’ (‘Podemos dizer: portanto subsiste na Igreja Católica, e isto é exclusivo (num tom de voz muito forte), porquanto se diz: fora daí não há senão elementos. Explica-se no texto’)”.

87. Michael Schmaus, em sua Teología Dogmática, III. Dios Redentor (2ª ed. RIALP, Madrid 1962, p. 140-144), usa noções a uma distância infinita de Santo Tomás. A “subsistência”, em particular, não é predicada da pessoa, mas da natureza: “Em primeiro lugar deve-se distinguir entre natureza e pessoa. Natureza (essência ou ser subsistente, substância) é aquilo que, etc.” Um tomista jamais diria que natureza é “ser subsistente” o que e próprio da pessoa. Alguns parágrafos mais adiante o autor contrapõe natureza e pessoa — coisa ininteligível a Santo Tomás — num personalismo liberal: “‘Natureza’ e ‘eu’, natureza e pessoa estão, desse modo, contrapostas. Essa contraposição ocorre de tal maneira, que a mesmidade pessoal pode abusar das potências da natureza; pode impor-lhes um mandato contrário a elas, pode obrigá-las a uma atividade antinatural. A natureza está à disposição da pessoa e sob seu domínio (…) A pessoa, portanto, pode ser definida como o ser que penetra, conforma e possui a natureza; como o ser em independência, como o ser que a si possui em espiritual autoafirmação e livre autodeterminação”. Para Santo Tomás é a natureza que conforma a pessoa, e se esta é livre, é porque sua natureza é espiritual. Para aumentar ainda mais a confusão, Schmaus — e os neoteólogos de um modo geral — aproveita-se do fato de as Pessoas divinas serem definidas como relações (subsistentes) para dar uma definição relacional da pessoa humana: “As próprias pessoas divinas — os modos mais perfeitos de ser pessoal — só se possuem reciprocamente numa ordenação mútua; de forma semelhante, a pessoa humana só se possui na abertura e inclinação para o tu: só é ela mesma na superação incessante de si mesma em direção ao tu” (p. 141).

Uma metafísica que contrapõe natureza e a pessoa, que diz que esta é “o ser que penetra” aquela, sendo a natureza, por sua vez, “ser subsistente”, e que põe a relação com o tu na constituição mesma da pessoa, uma tal metafísica conduz, queiram ou não queiram — e Schmaus de-certo não o queria —, a pensar a Encarnação de uma maneira nestoriana, como a relação entre o Verbo e uma humanidade subsistente. Mas não nos alonguemos neste assunto — que afeta todo o pensamento moderno —, registremos apenas que tais autores não usam o verbo “subsistir” de forma escolástica.

88. L’Osservatore Romano, edición española, n. 34, 25 de agosto de 2000, p. 9, 2ª col.

89. O Dicionário Caldas Aulete, versão antiga, traz: “v. intr. (ant.) sustar-se, parar. Existir, ser; existir na sua substância, existir Individualmente […] || Persistir, manter-se, conservar a sua força ou ação; não ser abolido, suprimido ou destruído […] || Continuar a ser, existir ainda, durar, permanecer […]”.

90. Aristóteles, Física, livro IV, c. 3, 210 a 14-24. Cf. Santo Tomás, In IV Physic. lect. 4.

91. Muitos ecumênicos simplistas pensam na Igreja de Cristo de acordo com algum desses modos, entendendo que subsiste na Igreja Católica e nas demais comunidades não católicas como o todo em suas partes; ou então que subsiste na Igreja Católica, na luterana e na anglicana como o gênero em suas diversas espécies; ou que a Igreja de Cristo é algo puramente espiritual que subsiste nas diversas sociedades visíveis como em seus continentes. Porém não se pode dizer que o todo é propriamente uma só de suas partes, nem que o gênero de identifica com uma só de suas espécies, nem que o conteúdo espiritual é propriamente seu continente visível. Os modos 6° e 7°, referidos às causas eficiente e final, não se aplicam ao que consideramos aqui.

92. Queira o leitor perdoar se parecemos jogar com a precisão escolástica, mas é que os modernos são tão imprecisos!

93. III, q. 3, a. 1 ad 2: “Hoc autem est proprium divinae personae, prop-ter eius infinitatem, ut fiat in ea concursus naturarum, non quidem accidentaliter, sed secundum subsistentiam”.

94. Ludovico Billot S. J., Tractatus de Ecclesia Christi, tomus primus, edit. tertia, Prati 1909, p. 254.

95. Horatio Mazzella, Praelectiones scholastico-dogmaticae breviori cursui accommodatae, edit. sexta, Tomo 1937, vol. 1, p. 434-435.

96. Op. cit. p. 438.

97. Op. cit. p. 484.

98. loachim Salaverri S. J., “De Ecclesia Christi”, in Sacrae theologiae Summa, vol. 1, 2ª edit., BAC, Madrid 1952, p. 920.

99. Op.cit., p. 921.

100. Op.cit. P. 927.

101. II-II, q. 39, a. 3.

102. João XXIII, Discurso inaugural do Concílio, 11 de outubro de 1962: “Infelizmente, a família cristã inteira [a Igreja total] não atingiu ainda, plena e perfeitamente, esta visível unidade na verdade […] Mais ainda, se consideramos bem esta mesma unidade, impetrada por Cristo para a sua Igreja, parece brilhar com tríplice raio de luz sobrenatural e benéfica: a unidade dos católicos entre si, que se deve manter exemplarmente firmíssima; a unidade de orações e desejos ardentes, com os quais os cristãos separados desta Sé Apostólica ambicionam unir-se conosco; por fim, a unidade na estima e no respeito para com a Igreja Católica, por parte daqueles que seguem ainda religiões não-cristãs.”

103. Tratamos desse ponto mais extensivamente em La lámpara bajo el celemín. Leia-se, no art. 4°, “Acerca da relação entre Magistério e governo”: “Um homem não pode pretender conduzir os demais sem manifestar que possui a sabedoria do bem comum e sem instruir seus súditos para que se ordenem a ele da maneira correta. Este é o aspecto mais divino da autoridade, pois tal sabedoria é verdadeira teologia, própria não dos homens, mas de Deus” (p. 156). Leia-se também “Do governo liberal e sua relação com a verdade”: “A disciplina de todo o governo, como já dito, é necessariamente informada por uma doutrina de alcance teológico e necessariamente difundida pelo exercício da função magisterial […] O maquiavelismo de um governo liberal consiste, portanto, no fato de que, ao invés de acomodar a política aos fins mais altos da religião verdadeira, acomoda a religião aos fins da política. E isto, ainda que não seja dito nem buscado deliberadamente, acaba por constituir necessariamente uma nova religião cujo supremo bem é o poder, um poder livre e autônomo que não precisa prestar contas a nenhum outro Deus além do próprio eu” (p. 170-171).

104. Apocalipse 13, 5: “Ele também recebeu uma boca, que expressa palavras cheias de arrogância e blasfêmia, e lhe foi concedida autoridade por quarenta e dois meses (três anos e seis meses)”. Cf. Daniel 12, 11: “Após o tempo da cessação do sacrifício perpétuo e do aumento da abominação da desolação, haverá duzentos e noventa dias (43 meses de 30 dias). Bem-aventurado aquele que espera e chega a mil trezentos e trinta e cinco dias (um mês e meio a mais)”. Sobre esse tempo de Daniel escreve Santo Tomás: “O número [de dias] que é posto em Daniel não deve referir-se a um certo número de anos até o fim do mundo, ou até a pregação do Anticristo, senão que deve referir-se ao tempo em que o Anticristo fará sua pregação, e ao tempo durante o qual perseguirá os fiéis” (In IV Sent. d. 43, q. 1, a. 3, qla. 2 ad 2). O tempo de pregação e triunfo do anticristo corresponde ao da pregação do próprio Jesus Cristo, cerca de três anos e meio. Por outro lado, como diz Van Noort, a interpretação literal desse tempo não é obrigatória: “Que o reinado do Anticristo não durará muito é algo que se deduz da Sagrada Escritura, sobretudo pelo trecho que diz ‘propter electos breviabuntur dies illi’ (Mt 24, 22). Com base nas explicações de muitos padres e exegetas, muitos teólogos consideram que aquele reino durará três anos e meio pelo cálculo que se faz de Daniel e do Apocalipse. Mas, dada a natureza simbólica de muitas partes desses livros, surge a grave dúvida sobre se realmente esses números deveriam ser tomados em sentido literal” (Tractatus de Novissimis, n. 111 b).

Excerto de: Pe. ÁLVARO CALDERÓN; Prometeu, a Religião do Homem, Castela Editorial, 2020, pp. 207-210 e 221-254.

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