MEDITAÇÕES QUARESMAIS III

Por Santo Afonso de Ligório

SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA

A TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS CRISTO
E AS DELÍCIAS DO PARAÍSO

Domine, bonum est nos hic esse
– “Senhor, é bom estarmos aqui” (Mt 17, 4).

Sumário. Consideremos hoje a beleza do paraíso e raciocinemos assim: São Pedro e os seus felizes companheiros provaram apenas uma só gota da doçura celestial; não viram senão um raio da divindade. Todavia ficaram de tal modo arrebatados, que desejavam permanecer ali para sempre. O que será então de nós, quando nos saciarmos na fonte das delícias e virmos a Deus tal qual é, face a face? Para chegarmos a tão grande recompensa, devemos antes de mais nada combater e sofrer alguma coisa na terra.

I. No EVANGELHO DE hoje, lemos que certo dia Nosso Senhor, querendo dar a seus discípulos um antegozo da beleza do paraíso, “tomou consigo a Pedro, a Tiago e a João seu irmão, e os conduziu de parte a um alto monte e transfigurou-se diante deles. O seu rosto ficou refulgente como o sol, e suas vestiduras se fizeram brancas como a neve. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com Ele. E tomando a palavra, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é que estejamos aqui: se queres, façamos três tabernáculos, um para ti, outro para Moisés e outro para Elias: Domine, bonum est nos hic esse”.

Detenhamo-nos também a considerar um pouco a beleza do paraíso e raciocinemos assim: São Pedro e os seus felizes companheiros provaram apenas uma só gota da doçura doçura celestial e nem assim puderam conter-se que não rogassem a Jesus, lhes fosse concedido permanecerem sempre naquele lugar. Que será então de nós, quando o Senhor saciar os seus escolhidos da abundância de sua casa e os fizer beber na torrente das suas delícias? (SI 35,9) São Pedro e os outros dois apóstolos não viram senão um único raio da divindade de Jesus Cristo, o qual transluziu da sua sagrada humanidade. Todavia, não podendo sustentar tão viva luz, ficaram deslumbrados, e como fora de si, caíram de bruços sobre a terra. Que será então quando o Senhor se deixar ver a seus escolhidos face a face, como é em si mesmo? – Tão bela sorte nos espera também a nós, meu irmão, se nos esforçamos por merecê-la ao menos no tempo de vida que ainda nos resta.

Ó doce esperança! Virá um dia em que nós também veremos a Deus como é, isto é, veremos a beleza incriada, que encerra, de modo infinitamente perfeito, todas as belezas espalhadas pelo universo: Similes ei erimus, quoniam videbimus eum sicuti est (1Jo 3, 2) – “Seremos semelhantes a Ele, porque O veremos como é”.

II. A glória de que gozaram os três venturosos discípulos foi de curta duração, porque “enquanto Pedro ainda falava, uma nuvem luminosa os envolveu. E logo saiu da nuvem uma voz que disse: Este é meu Filho amado, em quem pus toda a minha complacência: ouvi-O… Chegou-se a eles Jesus, tocou-os e lhes disse: Levantai-vos e não temais. Eles então, levantando os olhos, já não viram ninguém senão só Jesus: Neminem viderunt, nisi solum lesum”.

Com isso o Senhor nos quer dar a entender que as consolações que faz degustar a seus servos, tem por único fim animá-los ao trabalho, porquanto o tempo presente é um tempo de merecer e não de gozar. Eis por que no meio daquela visão celestial, Moisés e Elias não falaram senão das penas e ignomínias do Calvário: Dicebant excessum eius (Lc 9, 31) – “Falavam da sua saída deste mundo. São Pedro é de certo modo repreendido porque desejava ficar sempre no gozo daquelas delícias: Non enim sciebat quid diceret (Mc 9, 5) – “Não sabia o que dizia”.

Animemo-nos portanto e procuremos sofrer com paciência as atribulações que Deus nos envia, oferecendo-as ao Senhor em união com as penas que Jesus Cristo sofreu por nosso amor. Quando as cruzes nos afligirem, levantemos os olhos ao céu e consolemo-nos com a esperança do paraíso. Tudo é pouco ou antes nada para merecermos o Reino do céu.

Meu amado Redentor, agradeço-Vos as luzes que me dais agora! São sinais de que me quereis salvo a gozar um dia convosco no céu. Quero salvar-me, não tanto para gozar, como para Vos agradar e amar. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Pesa-me de Vos ter ofendido e proponho nunca mais tornar a ofender-Vos. Mas já que me vedes destituído de toda a força, amparai a minha fraqueza, a fim de que eu Vos seja fiel. “Guardai-me interior e exteriormente, para que me defendais de adversidades no corpo e limpeis a minha alma de maus pensamentos”. [Or. Dom. curr.] Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

SEGUNDA-FEIRA

COMO DEVEMOS PREPARAR-NOS
PARA A MORTE

Dispone domui tuae, quia morieris tu et non vives
– “Dispõe de tua casa, porque morrerás e não viverás” (Is 38, 1).

Sumário. A experiência prova que morrem felizmente os que, no último momento, estão já mortos para o mundo, isto é, desligados dos bens de que nos deve separar a morte. E, pois, preciso que desde já aceitemos a privação dos bens, a separação dos parentes e de todas as coisas da terra, lembrando-nos que, se não o fizermos voluntariamente agora, necessariamente teremos de o fazer na morte, mas com risco da salvação eterna. Quem ainda não escolheu um estado de vida, tome aquele que houvera querido escolher na hora da morte.

I. DIZ SANTO AMBRÓSIO que morrem felizmente os que, no tempo da sua morte, estão já mortos para o mundo, isto é, desligados daqueles bens de que forçosamente os deve separar a morte. Mister, pois, se torna que desde já aceitemos a privação dos bens, a separação dos parentes e de todas as coisas da terra. Se não fizermos isto voluntariamente durante a vida, seremos forçados a fazê-lo na morte, mas então com extrema dor e com risco da salvação eterna.

A este propósito observa Santo Agostinho que, para morrer em paz, é vantajosíssimo pormos em ordem durante a vida os negócios temporais, fazendo desde já a disposição dos bens que é preciso deixar, a fim de não termos de nos ocupar então senão da nossa união com Deus. – Naquela hora convém que só se fale em Deus e no paraíso. Os últimos momentos da vida são demasiadamente preciosos para serem desperdiçados em pensamentos terrestres. E na morte que se acaba a coroa dos escolhidos, porque é então que se recolhe a maior soma de merecimentos, aceitando os sofrimentos e a morte com resignação e amor.

Semelhantes sentimentos, porém, não os poderá ter na morte quem não os tiver excitado durante a vida. Com este fim, pessoas devotas têm por hábito renovarem todos os meses a protestação da boa morte com os atos cristãos de fé, esperança e caridade, com a confissão e comunhão, como se já estivessem no leito de morte, próximas a saírem deste mundo. Ó, como esta prática nos ajudará a caminharmos bem, a nos desprendermos do mundo e morrermos de boa morte! Beatus ille servus, quem, cum venerit dominus eius, inveniet sic facientem (Mt 24, 46) – “Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, encontre a fazer isto”.

Quem espera a toda a hora a morte, ainda que esta venha subitamente, não pode deixar de morrer bem. Ao contrário, o que se não faz na vida, é dificílimo fazê-lo na morte. – A grande serva de Deus, irmã Catarina de Santo Alberto, da ordem de Santa Teresa, estando para morrer, gemia e dizia: Minhas irmãs, não é o medo da morte que me faz gemer, porque há vinte e cinco anos que a estou esperando, gemo por ver tantas pessoas iludidas, que vivem no pecado, e esperam, para se reconciliarem com Deus à hora da morte, em que eu com dificuldade posso pronunciar o nome de Jesus.

II. Examina-te, meu irmão, e vê se tens o coração apegado a alguma coisa terrestre: a alguma pessoa, a algum posto, a alguma casa, a alguma riqueza, a alguma sociedade, a alguns divertimentos, e lembra-te que não és eterno. Tudo terás de deixar um dia, e talvez em breve. Por que queres então ficar agarrado a esses objetos com risco de morreres cheio de inquietações? Oferece desde já tudo a Deus, estando disposto a privar-te de tudo, quando Lhe agradar.

Se não tens ainda escolhido o estado de vida, toma o que na hora da morte quiseras ter escolhido e que te deixará morrer mais contente. Se já o escolheste, faze agora o que então quiseras ter feito no teu estado. Faze como se cada dia fosse o último de tua vida e cada ação a última que praticas: a última oração, a última confissão, a última comunhão. Imagina, numa palavra, a cada hora que já estás no leito da morte, ouvindo a intimação: proficiscere de hoc mundo – “parte deste mundo”, e por isso repete muitas vezes a protestação para a boa morte, dizendo:

Ó meu Deus, só poucas horas me restam; nelas vos quero amar quanto possa na vida presente, para mais Vos amar na outra. Pouco tenho que Vos oferecer; ofereço-Vos os meus padecimentos e o sacrifício da minha vida, em união com o sacrifício que Jesus Cristo. Vos ofereceu por mim na cruz. Senhor, as penas que sofro são poucas e leves em comparação com as que mereci; tais como são, aceito-as em testemunho do amor que Vos tenho. Resigno-me a todos os castigos que me queirais infligir nesta vida e na outra, contanto que Vos possa amar na eternidade. Castiga-me tanto quanto Vos aprouver, mas não me priveis do vosso amor. Sei que não merecia mais amar-Vos, por ter tantas vezes desprezado o vosso amor; mas Vós não podeis repelir uma alma arrependida. Pesa-me, ó meu supremo Bem, de Vos haver ofendido. Amo-vos de todo o coração e em Vós ponho toda a minha confiança. A vossa morte, ó Redentor meu, é a minha esperança. Deposito a minha alma em vossas mãos chagadas. – Maria, minha querida Mãe, socorrei-me nesse grande momento. Desde já vos entrego o meu espírito: dizei a vosso Filho que se apiede de mim. A vós me recomendo, livrai-me do inferno.

TERÇA-FEIRA

EFEITOS QUE EM NÓS PRODUZ
A DIVINA GRAÇA

Infinitus thesaurus est hominibus; quo qui usi sunt, participes facti sunt amicitiae Dei
– “Ela é um tesouro infinito para os homens; do qual os que usaram têm sido feitos participantes da amizade de Deus” (Sb 7, 14).

Sumário. Por que havemos de ter inveja dos grandes do mundo? Se estamos na graça de Deus, participamos da sua própria natureza; somos, por assim dizer, um com Ele e de momento a momento podemos adquirir tesouros imensos de merecimentos para a eternidade. A nossa alma é então tão bela aos olhos do Senhor, que põe nela a sua complacência. Tudo isto Jesus Cristo no-lo mereceu pela sua Paixão; e por isso devemos prestar-Lhe contínuas ações de graças.

I. NO DIZER DE Santo Tomás de Aquino, o dom da graça é superior a todos os dons que uma criatura possa receber, porque a graça é a participação da própria natureza de Deus. Já antes tinha São Pedro dito o mesmo: Ut per haec (promissa) eficiamini divinae consortes naturae (2Pd 1, 4) – “Para que por elas (as promessas) vos torneis participantes da natureza divina”. Tal é a dignidade que Jesus Cristo nos mereceu pela sua paixão: Ele nos comunicou o mesmo resplendor que recebeu de Deus (Jo 17, 22). Numa palavra, quem está na graça de Deus, forma, de certo modo, uma pessoa com Deus: Unus spiritus est (1Cor 6, 17) – “E um espírito com Ele”. E, como disse o Redentor, na alma que ama a Deus, vem habitar a Santíssima Trindade: Ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus (Jo 14, 23) – “Viremos a ele, e faremos nele morada”.

É tão bela aos olhos de Deus a alma em estado de graça, que Ele próprio lhe faz o elogio: Como és formosa amiga minha, como és formosa! (Ct 4, 1) Parece que Deus não pode apartar dela os olhos, nem cerrar os ouvidos a nenhum dos seus pedidos: Oculi Domini super iustos, et aures eius ad preces eorum (SI 33, 16) – “Os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos abertos aos rogos deles”. Dizia Santa Brígida que nenhum homem poderia ver a beleza de uma alma na graça de Deus, sem morrer de alegria. E Santa Catarina de Sena, tendo visto uma alma assim, afirmou que de boa mente daria a vida para que nunca aquela alma perdesse tamanha beleza. Por isso a mesma santa beijava a terra que os sacerdotes pisaram, pensando que pelo seu ministério as almas eram colocadas na graça de Deus.

Além disso, que tesouros de merecimentos não pode ajuntar a alma em estado de graça! Cada instante pode adquirir uma glória eterna, porquanto, como diz Santo Tomás, qualquer ato de amor produzido pela alma merece um paraíso à parte.

Por que temos então inveja dos grandes do mundo? Estando na graça de Deus, podemos adquirir continuamente grandezas muito mais altas no céu.

II. A paz de que ainda na terra goza a alma em estado de graça, só pode ser compreendida por aquele que a provou: Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus (SI 33, 9) – “Provai e vede quão suave é o Senhor”. Não pode deixar de ser cumprida a palavra do Senhor: Gozam muita paz os que amam a divina lei (SI 118, 165). A paz do que vive unido com Deus, excede todas as doçuras que nos podem advir dos sentidos ou do mundo: Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (Fl 4, 7).

Ó meu Jesus, Vós sois o bom pastor que se deixou matar para nos dar a vida, a nós, vossas ovelhas. Quando eu fugia de Vós, não deixastes de correr atrás de mim e de me procurar; recebei-me, agora, que Vos procuro e que volto arrependido a vossos pés. Restitui-me a graça, que miseravelmente perdi por minha culpa. De todo o coração me arrependo e quisera morrer de dor, quando penso nas inúmeras vezes que Vos voltei as costas. Perdoai-me pelos merecimentos da morte cruel que por mim padecestes na cruz.

Prendei-me com os doces laços do vosso amor e não permitais que outra vez me afaste de Vós. Dai-me forças para sofrer com paciência todas as cruzes que me envieis, visto ter merecido as penas eternas do inferno. Fazei que abrace com amor os desprezos que me possam vir dos homens, visto ter merecido estar eternamente sob os pés dos demônios. Fazei, numa palavra, com que obedeça em tudo às vossas inspirações e vença, por vosso amor, qualquer respeito humano. – Resolvido estou a servir de hoje em diante somente a Vos. Digam os outros o que quiserem; eu quero amar somente a Vós, meu Deus amabilíssimo, só a Vós quero agradar; mas dai-me o vosso auxílio sem o qual nada posso. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, de todo o coração, e confio em vosso Sangue. – Maria, minha esperança, ajudai-me com as vossas orações. Glorio-me de ser vosso servo, e vós vos gloriais de salvar os pecadores que a vós recorrem; socorrei-me, pois, e salvai-me.

QUARTA-FEIRA

DA DIGNIDADE DE SÃO JOSÉ,
ESPOSO DA VIRGEM MARIA

lacob autem genuit loseph, virum Mariae, de qua natus est lesus
– “Jacó gerou a José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus” (Mt 1, 16).

Sumário. Para formarmos uma ideia da dignidade de São José, basta ponderarmos que, na qualidade de esposo de Maria e chefe da sagrada Família, tinha verdadeiros direitos sobre a Mãe de Deus e seu divino Filho, que assumiram a obrigação de lhe obedecer, e lhe obedeceram em tudo. Quanto devemos, pois, honrar àquele a quem Deus honrou tanto! Quanto devemos confiar na eficácia de sua proteção! E tu, és-lhe realmente devoto? Recorres prontamente a ele em tuas necessidades?

I. CONSIDERA EM PRIMEIRO lugar a dignidade de São José por ser esposo de Maria. Nesta qualidade adquiriu o direito de lhe dar ordens, e Maria, na qualidade de esposa, assumiu a obrigação de obedecer a São José. O humílimo São José nunca se serviu de mandos para com a Santa Virgem, mas somente de pedidos, por venerar nela a grande santidade e a dignidade de Mãe de Deus. A humílima Esposa, porém, entre todas as criaturas a mais humilde, considerava sempre aqueles pedidos como outras tantas ordens. – o Maria, ó José, ó esposos santíssimos, que por vossa grande humildade vos fizestes tão amados de Deus, suplico-vos que me alcanceis o perdão de todos os meus atos de soberba, e a graça de sofrer daqui por diante com paciência todos os desprezos e injúrias que me vierem da parte dos homens, porquanto hei merecido ser pisado aos pés dos demônios no inferno.

Considera em segundo lugar a alta dignidade de São José por lhe ser conferido por Deus o ofício de pai de Jesus Cristo: Et erat subditus illis (Lc 2, 51) – “E era-lhes submisso”. Quem é que estava submisso? O Rei do mundo, o Filho de Deus e também verdadeiramente Deus todo-poderoso, eterno, perfeito, em tudo igual ao Pai. Este é quem na terra quis estar submisso a São José. Por si mesmo não tinha José autoridade sobre Jesus, por não ser o pai verdadeiro, mas tão somente o pai putativo. Como esposo, porém, e chefe de Maria, foi o chefe também de Jesus Cristo, enquanto homem, por ser o fruto das entranhas de Maria. Quem é dono de uma árvore, o é também dos frutos.

Eis por que a Beata Virgem o chamou pai de Jesus: Pater tuus et ego dolentes quaerebamos te (Lc 2, 48) – “Eu e teu pai angustiados te procuramos”.

Foi portanto a São José, como chefe daquela pequena família, que coube o ofício de mandar, e a Jesus o de obedecer; de sorte que Jesus nada fazia, não se movia, não tomava alimento nem repouso, senão segundo as ordens de José. dignidade inefável!

II. Devemos honrar muito aquele a quem Deus mesmo tanto tem honrado. E grande confiança devemos pôr na proteção de São José, que viu nesta terra o Senhor do mundo submisso às suas ordens. Escreve Santa Teresa: “O Senhor nos quis dar a entender que, assim como na terra quis ficar submisso a São José, assim faz agora no céu tudo o que o santo Lhe pede”.

Meu santo patriarca, pela grande reverência que, como a seu esposo, vos teve Maria, rogo-vos que me recomendeis a ela, e me alcanceis a graça de ser o seu verdadeiro e fiel servo até a morte. E pela submissão que na terra vos mostrou o Verbo encarnado, obtende-me a graça de Lhe obedecer e de amá-Lo perfeitamente. No céu Jesus se compraz em conceder todas as graças que vós pedis em favor daqueles que a vós se recomendam. Eu também, miserável como sou, me recomendo a vós, escolho-vos por meu advogado especial e prometo honrar-vos cada dia com algum obséquio particular. Meu pai, São José, por piedade, alcançai-me aquela graça que vós sabeis ser mais útil à minha alma, e especialmente a virtude da santa pureza.

“Sim, glorioso São José, pai e protetor das virgens, guarda fiel, a quem Deus confiou Jesus, a mesma inocência, e Maria, a virgem das virgens, eu vos peço e conjuro por Jesus e Maria, este duplo depósito a vós tão caro, com vosso eficaz auxílio dai-me conservar meu coração isento de toda mancha, e que, puro e casto, sirva constantemente a Jesus e Maria em perfeita castidade”. – E vós, ó Mãe de Deus e minha Mãe Maria, pela santa humildade e obediência com que executastes tudo que vosso santo esposo José pos pedia, alcançai-me de Deus a graça da santa humildade e da perfeita obediência a seus preceitos divinos.

QUINTA-FEIRA

JESUS PRESENTE NOS ALTARES
PARA SER ACESSÍVEL A TODOS

Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis; et ego reficiam Vos
– “Vinde a mim todos os que estais cansados e carregados e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28)

Sumário. Nesta terra não é permitido a todos os súditos falar ao príncipe. O mais que os pobres podem esperar é falar-lhe por meio de terceira pessoa. Não é assim com o Rei do céu, que está no Santíssimo Sacramento. Com este pode falar quem o deseje, e sem acanhamento. Procuremos, portanto, ir muitas vezes à sua audiência e expor-Lhe todas as nossas necessidades. Peçamos-Lhe particularmente que desligue o nosso coração de todas as coisas terrestres e o encha do seu santo amor.

I. DIZIA SANTA TERESA que nesta terra não é permitido a todos os súditos falar a seu príncipe. O mais que os pobres podem esperar é falhar-lhe por meio de terceira pessoa. Mas para conversar convosco, ó Rei do céu, não se precisa de terceira pessoa; quem quiser, pode achar-Vos no Santíssimo Sacramento, e falar-Vos à vontade e sem acanhamento. Por isso a mesma santa dizia que Jesus Cristo velou a sua majestade sob as aparências do pão, para nos inspirar mais confiança e nos tirar todo o temor de nos aproximarmos d’Ele.

Ah! Parece que lá dos altares Jesus ainda cada dia exclama e diz: Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos – “Vinde a mim todos os que estais cansados e carregados, e eu vos aliviarei”. Vinde a mim, vós pobres, vinde enfermos, vinde atribulados, vinde justos e pecadores; em mim achareis o remédio para todos os vossos males e aflições. O que Jesus Cristo deseja é consolar a quem a Ele recorre. Permanece presente sobre os altares tanto de dia como de noite para ser acessível a todos e comunicar a todos as suas graças.

Por isso os santos achavam na terra tão grande satisfação em estar na presença de Jesus sacramentado, que os dias e noites se lhes afiguravam como instantes. A condessa de Feria, depois de entrada na ordem de Santa Clara, nunca se fartava de ficar no coro a visitar o Santíssimo Sacramento. Perguntada uma vez o que fazia tanto tempo diante do santo Tabernáculo, respondeu que eram tão grandes as delícias que nisso gozava, que queria ficar ali toda a eternidade. – São João Francisco Regis, depois de passar o dia no confessionário ou no púlpito, passava as noites na igreja, e achando-a alguma vez fechada, deixava-se ficar à porta exposto ao frio e ao vento, para ao menos de longe fazer companhia a seu amado Senhor. São Filipe Néri exclamava à vista do Santíssimo Sacramento: “Eis aí o meu amor! Eis aí todo o meu amor!”. Ah! Se Jesus Cristo fosse também todo o nosso amor, a nós também os dias e noites passadas na sua presença se nos afigurariam como instantes.

II. Em todas as vossas necessidades particulares, como no tomar ou dar conselho, nos perigos, nas aflições, enfermidades e tentações, especialmente nas contra a pureza, recorrei sempre a Jesus sacramentado, e não podendo fazê-lo de corpo, fazei-o pelo menos em espírito. Achando-vos diante do santo Tabernáculo, dizei muitas vezes com São Filipe Néri: “Eis aí o meu amor! Eis aí todo o meu amor!”.

Sim, meu amado Redentor, só a Vós quero amar; quero que sejais o único amor de minha alma. Sinto-me morrer de dor à lembrança de ter outrora amado as criaturas e minhas satisfações próprias mais que a Vós, e de ter virado as costas a Vós, ó Bem infinito. Vós porém, para não me verdes perecer, me suportastes com tanta paciência, e em vez de me punirdes, me feristes o coração com tantas setas de amor, de sorte que não pude mais resistir às vossas finezas e me dei todo a Vós. Vejo que me quereis inteiramente para Vós. Mas já que o quereis, fazei-o, porquanto a Vós pertence fazer que assim seja.

Livrai-me de todo o apego à terra e a mim mesmo, e fazei com que eu procure agradar somente a Vós, não pense senão em Vós, não fale senão de Vós, e não deseje senão arder de amor para convosco, viver e morrer por Vós. O amor de meu Jesus, vem e apodera-te de todo o meu coração e expele dele todo o amor que não é para Deus. Amo-Vos, ó Jesus sacramentado, amo-Vos, minha vida, meu tesouro, meu amor, meu tudo. – Ó Maria, minha esperança, rogai por mim e dai-me ser todo de Jesus.

SEXTA-FEIRA

COMEMORAÇÃO DO SAGRADO SUDÁRIO
DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Et depositum (corpus) involvit sindone
– “Tendo descido (o corpo), amortalhou-o num lençol” (Lc 23, 53).

Sumário. Para que estivéssemos sempre lembrados de seu amor, quis Jesus Cristo deixar a sua sagrada efígie estampada no Santo Sudário. Não faltam na vida de Jesus feitos gloriosos cuja imagem nos podia deixar. Sendo, porém, a cor rubra da Paixão a mais apropriada para representar o amor, deixou de parte todos os demais fatos da sua vida, e quis representar perante nós o Homem das dores, a fim de que nos fosse tanto mais amável, quanto mais desfigurado. Amemo-Lo, pois, de todo o coração e soframos de boa mente alguma coisa por seu amor.

I. “DUAS COISAS, ESCREVE Cícero, fazem conhecer um amigo: fazer-lhe bem e sofrer por ele; e esta última coisa é a maior prova de um verdadeiro amor”. Deus já tinha feito brilhar o seu amor para com os homens, em grande número de benefícios; mas, diz São Pedro Crisólogo, logo, julgou muito pouco para seu amor, somente fazer-lhes bem, se não achasse outro modo de lhe mostrar quanto o amava, sofrendo e morrendo por ele, como fez tomando a natureza humana. Por isso escreve o Apóstolo São Paulo, que a morte de Jesus Cristo pela salvação dos homens demonstrou até onde chegava o amor de Deus para conosco, as suas miseráveis criaturas: Apparuit benignitas et humanas survionis nosiri Dei (1t 3, 4) – “Apareceu a benignidade e o amor de Deus, nosso Salvador”.

A fim de que sempre nos lembrássemos deste seu excesso de amor, depois de consumada a Redenção do gênero humano, quis deixar-nos a sua imagem estampada no Sudário em que o envolveram depois da morte. Não faltavam, de certo, na vida de Jesus mil feitos gloriosos, cuja representação nos podia deixar, tais como sejam a adoração dos Magos, a transfiguração no Tabor, a ressurreição de Lázaro, a multiplicação dos pães e mais outros. Mas, no dizer de São Bernardo, porque “a cor rubra da Paixão é a mais apropriada para representar o grau supremo e incomparável de amor”, Jesus deixou de parte todo o fato glorioso, para se nos representar no estado de miséria predito por Isaías: Como homem de dores, objeto de desprezo e o último dos homens, ferido por Deus e humilhado como um leproso, o mais miserável dos filhos dos homens, coberto de chagas desde a cabeça aos pés, maltratado e desfigurado, até não ter mais parecença de homem: unde nec reputavimus eum (Is 53, 3).

Ah, meu amantíssimo Senhor, em vista de tantos testemunhos do vosso amor, quem poderá deixar de Vos amar? Tinha razão Santa Teresa, ó meu amabilíssimo Jesus, de dizer que, quem não Vos ama, prova que não Vos conhece.

II. O Pe. Segneri Júnior aconselhou a uma sua confessada, escrevesse ao pé do Crucifixo estas palavras: Eis aí como se ama! Parece que é isso também o que pelo Sagrado Sudário Jesus Cristo quer dizer a cada um de nós, particularmente quando, para evitar algum incômodo, abandonamos o bem que mais Lhe agrada, e chegamos talvez a renunciar à sua graça: Eis aí como se ama! – Com razão dizia São Francisco de Sales: “Todas as chagas do Redentor são outras tantas bocas que nos dizem que devemos sofrer por amor d’Ele; e a ciência dos santos consiste em sofrer constantemente por Jesus”.

Amemos, pois, a Jesus, assim nos exorta o amante Santo Agostinho, amemos a Jesus ao menos por gratidão, amemos de todo o coração ao Esposo Celeste, que nos deve ser tanto mais querido e aceito, quanto mais desfigurado se nos mostra. Devemos patentear este nosso amor sofrendo de boa vontade alguma coisa por Jesus, aceitando com resignação o que Ele mesmo nos envia para nosso bem.

Ó meu amado Salvador Jesus! Vejo-Vos todo coberto de chagas; fito o vosso rosto, já não mais belo, mas todo horrendo de ver e manchado de escarros e sangue. Quanto mais desfigurado Vos vejo, tanto mais belo Vos acho e digno de amor. Que são estas chagas e contusões, senão sinais de vosso amor e de vossa ternura para comigo? Quisestes ser maltratado assim para tornar bela a minha alma e limpá-la das manchas do pecado. Agradeço-Vos, meu Senhor; pesa-me de ter-me ajuntado aos algozes para Vos maltratar. Aceito em espírito de penitência todas as cruzes que queirais enviar, e prometo amar-Vos sempre de todo o meu coração. Ajudai-me com a vossa graça a ser-Vos fiel. “O meu Deus, Vós, que deixastes os vestígios da vossa paixão no Santo Sudário, no qual José de Arimateia envolveu o vosso sacratíssimo Corpo: concedei-me, propício, que pelos merecimentos de vossa morte e sepultura chegue à glória da ressurreição”. [Or. fest. curr.] Fazei-o pelo amor do Coração aflitíssimo de Maria.

SÁBADO

MARIA SANTÍSSIMA,
MODELO DE AMOR PARA COM DEUS

Ego Mater pulchrae dilectionis
– “Eu sou a Mãe do belo amor” (Eclo 24, 24).

Sumário. O fogo de amor em que ardia o Coração da Santíssima Virgem foi tão veemente, que ela não repetia os atos de amor, como fazem os outros santos, mas por um privilégio singular amou a Deus sempre atualmente com um contínuo ato de amor. Mas se Maria amou e ama tanto a seu Deus, certamente ela não exige outra coisa de seus devotos, senão que O amem também. Como é que tu O amas? Se porventura te sentes frio, chega-te com confiança a tua amada Mãe e roga-lhe que te faça seu semelhante.

I. DEUS, QUE É amor, veio ao mundo para acender em todos a chama do seu divino amor; mas nenhum coração ficou tão abrasado como o Coração de sua Mãe, o qual, sendo todo puro dos afetos terrenos, estava todo disposto para arder neste santo fogo. Por isso o Coração de Maria se tornou todo fogo e chamas, como se lê nos Cânticos sagrados: Lampades eius, lampades ignis atque flammarum (Ct 8, 6) – “As suas lâmpadas são umas lâmpadas de fogo e de chamas”. Fogo, ardendo interiormente, como explica Santo Anselmo, e chamas resplandecendo para fora com o exercício das virtudes.

Revelou a própria Maria a Santa Brígida, que neste mundo ela não teve outro pensamento, outro desejo, nem outro gosto senão Deus. Eis por que a sua alma bendita absorta sempre nesta terra na contemplação de Deus, fazia inúmeros atos de amor Ou, para melhor dizer, como escreve Bernardino de Bustis, Maria não multiplicava os atos de amor, como fazem os outros santos; mas, por um privilégio singular, ela amou a Deus atualmente com um contínuo ato de amor. Qual águia real sempre tinha os olhos fixos no divino Sol, de maneira que nem as ações da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia a ação, diz São Pedro Damião.

Acrescentam Santo Ambrósio, São Bernardino e outros, que nem mesmo o sono interrompia o ato de amor da Santíssima Virgem; de modo que podia verdadeiramente dizer com a sagrada Esposa: Ego dormio, et cor meum vigilat (Ct 5, 2) – “Eu durmo e o meu coração vela”. Foi figura de Maria o altar propiciatório, no qual nunca se extinguia o fogo, nem de dia, nem de noite. Numa palavra, afirma o Bem-aventurado Alberto Magno que Maria foi cheia de tão grande amor, que quase não podia caber mais amor numa pura criatura terrestre. Os próprios serafins podiam descer do céu, para aprenderem no Coração de Maria como se deve amar a Deus. No Reino celeste ela só, entre todos os santos, pode dizer a Deus: Senhor, se não Vos amei quanto mereceis, ao menos amei-Vos quanto me foi possível.

II. Já que Maria ama tanto a seu Deus, não há certamente coisa alguma que ela exija tanto de seus devotos como que O amem igualmente. É o que a divina Mãe disse à Bem-aventurada Ângela de Foligno, num dia em que esta tinha comungado; é o que ela disse também a Santa Brígida: “Filha, se queres cativar o meu amor, ama o meu Filho”.

Pergunta Novarino, por que a Santa Virgem, à imitação da Esposa dos Cânticos, rogava aos anjos que fizessem saber ao seu Senhor o grande amor que lhe consagrava, dizendo: Adiuro-vos… ut nuntietis ei, quia amore langueo (Ct 5, 8) – “Eu vos conjuro… que lhe façais saber que estou enferma de amor? Porventura não sabia Deus quanto ela O amava? Com certeza sabia-o, responde o autor sobredito, que a Virgem quis fazer patente a nós o seu amor; a fim de que, assim como ela estava ferida de amor, nos infligisse a mesma ferida: Ut vulnerata vulneret. Porque foi toda fogo em amar a Deus, por isso, como diz São Boaventura, abrasa e torna seus semelhantes todos os que a amam e a ela se avizinham. Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Maria Santíssima portatrix ignis: a portadora do fogo do amor divino. Se queremos também arder nesta beata chama, procuremos sempre avizinhar-nos à nossa Mãe santíssima com súplicas e afetos.

Ah, Rainha do amor, Maria! Sois vós, no dizer de São Francisco de Sales, a mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas. Ah, minha Mãe! Vós que ardestes sempre e toda em amor a Deus, dignai-vos dar-me ao menos uma faísca desse amor. Rogastes a vosso Filho por aqueles esposos aos quais faltava o vinho: Vinum non habent (Jo 2, 3) – “Eles não têm vinho”: não rogareis por nós a quem falta o amor a Deus, ao qual temos tanta obrigação de amar? Dizei somente: Amorem non habent – “Eles não têm amor”, e alcançar-nos-eis o amor. Outra graça não vos pedimos senão esta. Ó minha Mãe! Porquanto amais a Jesus, atendei-nos, rogai por nós.

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