DIGNITAS INFINITA, O MANIFESTO DA RELIGIÃO DO HOMEM

UMA ANÁLISE DO ÚLTIMO DOCUMENTO SOBRE A “DIGNIDADE INFINITA” DA PESSOA HUMANA

Luciano Takaki
2024

INTRODUÇÃO

Recentemente, dia 8 de março de 2024, foi publicado mais um documento aprovado por Bergoglio e assinado pelo Cardeal Víctor Manuel Fernández, compatriota do papa putativo e muito próximo dele, a declaração Dignitas infinita, sobre a dignidade humana. Já publicamos aqui dois artigos sobre a declaração Fiducia supplicans (cf. “Fiducia supplicans, a falsa resistência e a tentação igualitária” e “Fiducia supplicans e a confusão do Cardeal Robert Sarah”), aqui será bem interessante porque, em tese, esse documento é conservador, no sentido mais lato da palavra.

A comparação com a declaração Dignitatis humanae, documento do Vaticano II sobre a liberdade religiosa, é simplesmente inevitável. Dignitas infinita parece ser uma espécie de mistura de Dignitatis humanae com Gaudium et Spes, constituição pastoral sobre a relação da Igreja com o mundo moderno. No entanto, o objetivo do Dignitas infinita é ir mais além. O documento manifesta ainda mais o que o Vaticano II já tinha instituído em 1965: a instituição da Religião do Homem no lugar da Religião Católica.

OS ANTECEDENTES DO DOCUMENTO

Não é de hoje que vemos a dignidade humana sendo exaltada. Isto já tinha começado com João XXIII na sua encíclica Pacem in Terris, onde lemos:

“Como todos sabem, aos 26 de junho de 1945, foi constituída a Organização das Nações Unidas (ONU). A ela juntaram-se depois organizações de âmbito especializado, compostas de membros nomeados pela autoridade pública das diversas nações. A estas instituições estão confiadas atribuições internacionais de grande importância no campo econômico, social, cultural, educacional e sanitário. As Nações Unidas propuseram-se como fim primordial manter e consolidar a paz entre os povos, desenvolvendo entre eles relações amistosas, fundadas nos princípios de igualdade, de respeito mútuo, de cooperação multiforme em todos os setores da atividade humana.
Um ato de altíssima relevância efetuado pelas Nações Unidas foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em assembléia geral, aos 10 de dezembro de 1948. No preâmbulo desta Declaração proclama-se, como ideal a ser demandado por todos os povos e por todas as nações, o efetivo reconhecimento e salvaguarda daqueles direitos e das respectivas liberdades.”
(JOÃO XXIII; carta encíclica Pacem in Terris, 11 de abril de 1963. Grifos meus aqui e nas citações seguintes)

Claro que nem tudo que há na Declaração Universal dos Direitos Humanos — redigida pelo judeu maçom René Cassin, que foi membro da Aliança Israel Universal — é mau, pois teria de ser aceito por quase todos os chefes de Estado do mundo. No entanto, há pontos bem discrepantes[1] com a doutrina católica, como o artigo 18, que diz:

“Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”

Esse ponto será endossado pela declaração Dignitatis humanae que contradirá totalmente o ensinado pela carta encíclica Quanta cura (cf. Pe. HERVÉ BELMONT; “A liberdade religiosa”). Segundo a Dignitatis humanae, a liberdade religiosa é um direito fundamentado na dignidade humana que a palavra revelada de Deus e a razão dão a conhecer. A encíclica Quanta cura condena essa noção e diz que a noção de que um Estado bem constituído deve garantir tal liberdade vai contra o que ensina a Sagrada Escritura. Ainda o artigo 19:

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.”

Isso contradiz totalmente a encíclica Libertas praestantissimum, de Leão XIII. E no artigo 21 § 3:

“A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.”

O fundamento é próprio Deus. Esse ponto absurdo será base para praticamente todas as constituições do mundo que ensinarão que “o poder emana do povo”. Inclusive a própria Constituição de 1988 no Brasil, logo no primeiro artigo.

Depois, Paulo VI aprofunda o que João XXIII já tinha ensinado em na constituição Gaudium et spes:

“Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efectivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime. Não é por isso de admirar que as verdades acima ditas tenham n’Ele a sua fonte e n’Ele atinjam a plenitude.”
(Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, n. 22, 7 de dezembro de 1965)

E depois:

“Tal é, e tão grande, o mistério do homem, que a revelação cristã manifesta aos que crêem. E assim, por Cristo e em Cristo, esclarece-se o enigma da dor e da morte, o qual, fora do Seu Evangelho, nos esmaga.”
(Idem)

Depois:

“Mas o Senhor em pessoa veio para libertar e fortalecer o homem, renovando-o interiormente e lançando fora o príncipe deste mundo (cfr. Jo. 12,31), que o mantinha na servidão do pecado. Porque o pecado diminui o homem, impedindo-o de atingir a sua plena realização.”
(Idem, n. 13).

Alguns podem objetar que no mesmo numeral ensina antes:

“Estabelecido por Deus num estado de santidade, o homem, seduzido pelo maligno, logo no começo da sua história abusou da própria liberdade, levantando-se contra Deus e desejando alcançar o seu fim fora d’Ele. Tendo conhecido a Deus, não lhe prestou a glória a Ele devida, mas o seu coração insensato obscureceu-se e ele serviu à criatura, preferindo-a ao Criador.”
(Idem)

No entanto, o documento não ensina explicitamente que o grande mal do pecado é a ofensa deliberada a Deus e nem sequer o merecimento do inferno, pois “o salário do pecado é a morte” (Rom. VI, 23). Como se verá mais à frente, a noção de pecado muda de uma forma que sua gravidade é ou diminuída — como vemos na constituição Gaudium et spes do Vaticano II — ou mesmo anulada — como vemos agora da declaração Fiducias Supplicans e agora com Dignitas infinita. O tempo mostra quem tem razão.

O documento ainda escandalosamente ensina:

“Ainda que rejeite inteiramente o ateísmo, todavia a Igreja proclama sinceramente que todos os homens, crentes e não-crentes, devem contribuir para a recta construção do mundo no qual vivem em comum. O que não é possível sem um prudente e sincero diálogo.”
(Idem, n. 21)

O documento chega a dizer precisamos da ajuda de não-crentes:

“Para aumentar este intercâmbio, necessita especialmente a Igreja – sobretudo hoje, em que tudo muda tão rapidamente e os modos de pensar variam tanto – da ajuda daqueles que, vivendo no mundo, conhecem bem o espírito e conteúdo das várias instituições e disciplinas, sejam eles crentes ou não. É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente.”
(Idem, n. 44)

A Igreja não precisa dos não-crentes. Ela goza da infalibilidade e da assistência divina justamente para ensiná-los. Um texto que coloca a Igreja como, de alguma forma, dependente de descrentes não pode ser um texto católico, mas anticatólico. E o pior, um texto que ainda coloca o seguinte:

“Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode aproveitar da própria oposição daqueles que a hostilizam e perseguem.”
(Idem)

Isso é uma pérola. Simplesmente diz que a Igreja muito aproveitou e pode aproveitar a hostilidade e perseguição com um tom positivo. Como se tivéssemos que agradecer os hereges, os judeus, os maometanos, os revolucionários, os comunistas etc. É certo que essas pessoas proporcionaram a existência de santos confessores e mártires, mas o bem que eles proporcionaram é per accidens e não per se.

O ponto alto foi o discurso de encerramento do Paulo VI. Ali a Religião do Homem é explicitada:

“O humanismo laico e profano apareceu, finalmente, em toda a sua terrível estatura, e por assim dizer desafiou o Concílio para a luta. A religião, que é o culto de Deus que quis ser homem, e a religião — porque o é — que é o culto do homem que quer ser Deus, encontraram-se. Que aconteceu? Combate, luta, anátema? Tudo isto poderia ter-se dado, mas de facto não se deu. Aquela antiga história do bom samaritano foi exemplo e norma segundo os quais se orientou o nosso Concílio. Com efeito, um imenso amor para com os homens penetrou totalmente o Concílio. A descoberta e a consideração renovada das necessidades humanas — que são tanto mais molestas quanto mais se levanta o filho desta terra — absorveram toda a atenção deste Concílio. Vós, humanistas do nosso tempo, que negais as verdades transcendentes, dai ao Concílio ao menos este louvor e reconhecei este nosso humanismo novo: também nós —  e nós mais do que ninguém somos cultores do homem [nam nos etiam, immo nos prae ceteris, hominis sumus cultores].”
(Discurso na última sessão pública do Concílio Vaticano II, 7 de dezembro de 1965).

Aquilo chamam de Religião Católica, a religião do Deus que se fez homem, não quis um combate com a religião do homem que se faz deus. Não quis um anátema. O “católico” é mais do que ninguém um “cultor do homem”, mais do que ninguém é aquele que presta culto ao homem.

No entanto, antes mesmo desse discurso terrível, Paulo VI discursou na Organização das Nações Unidas (ONU):

Obrigado a vós, glória a vós, que desde há vinte anos trabalhais pela paz, e que destes mesmo a esta santa causa ilustres vítimas, obrigado a vós e glória a vós pelos conflitos que tendes impedido e por aqueles que vós regulastes. Os resultados dos vossos esforços a favor da paz, até estes últimos dias, merecem, mesmo se não são ainda decisivos, que Nós ousemos tornar-Nos intérprete do mundo inteiro e vos exprimamos em seu nome felicitação e gratidão
“Vós tendes, senhores, realizado, e vós realizareis uma grande obra: ensinais a paz aos homens. A ONU é a grande escola onde se recebe esta educação, e nós estamos aqui na Aula Magna desta escola. Quem quer que aqui tome lugar torna-se aluno e torna-se mestre na arte de construir a paz. E quando sairdes desta sala, o mundo olha para vós como para os arquitectos, os construtores da paz.”
(Discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, 4 de outubro de 1965).

Paulo VI concedeu à ONU uma missão que pertence à Igreja. Retomando a citação da Gaudium et spes sobre o ateísmo, vale a pena lembrar o comentário do leigo erudito John S. Daly:

“A Igreja sempre manteve que há dois reinos no mundo, o reino de Deus, que é a Igreja Católica, e o reino que consiste de todo o resto, que é governado por Satanás; e não só os dois existem em inimizade irreconciliável um com o outro, mas o último não é capaz nem de viver em paz consigo mesmo, muito menos em paz com a Igreja Católica. (É difícil o bastante paras as nações católicas viverem em paz umas com as outras, como o demonstra a história da Idade Média.)
“Por fim sobre este assunto, para não sermos acusados de ler mais nestas palavras da Gaudium et Spes do que é legítimo, talvez valha a pena notar que Paulo VI não deixou a menor dúvida sobre a interpretação que ele próprio dava a elas – interpretação esta inteiramente irreconciliável com o ensinamento católico – em seu famoso discurso à ateia ONU em 1965, quando ele, de modo blasfemo, descreveu aquela organização maçônica como ‘a última esperança da concórdia e da paz para os povos de toda a Terra’.”
(Disponível no nosso site: “As principais heresias e outros erros do Vaticano II”. Grifos no original)

João Paulo II continuou o legado de Paulo VI com discursos ainda mais chocantes. João Paulo ensina logo na sua primeira carta encíclica:

“Aqui, portanto, trata-se do homem em toda a sua verdade, com a sua plena dimensão. Não se trata do homem « abstracto », mas sim real: do homem « concreto », « histórico ». Trata-se de « cada » homem, porque todos e cada um foram compreendidos no mistério da Redenção, e com todos e cada um Cristo se uniu, para sempre, através deste mistério.”
(Carta encíclica Redemptor Hominis, 4 de março de 1979).

A palavra “homem” aparece inúmeras vezes. O que mais chama atenção é ele dizer ainda que “com todos e cada um Cristo se uniu, para sempre, através deste mistério”. Isso mostra, no mínimo, uma tendência ao herética doutrina da salvação universal. Mas não para por aí. João Paulo II depois discursará na ONU indo mais longe que Paulo VI:

“Senhores, sobretudo com o fim de demonstrar de que espécie de dolorosas experiências e sofrimentos de milhões de pessoas surgiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que foi posta como inspiração de base, como pedra angular da Organização das Nações Unidas. Esta Declaração custou milhões de nossos Irmãos e Irmãs, que a pagaram com o próprio sofrimento e sacrifício, provocados pelo embrutecimento que tinha tornado surdas e obtusas as consciências humanas dos seus opressores e dos artífices de um verdadeiro genocídio. Um tal preço não pode ter sido pago em vão. A Declaração Universal dos Direitos do Homem — com todo o seu atavio de numerosas Declarações e Convenções sobre aspectos importantíssimos dos direitos humanos, em favor da infância, da mulher, da igualdade entre as raças, e particularmente os dois Pactos Internacionais sobre os direitos económicos, sociais e culturais, e sobre os direitos civis e políticos — deve permanecer na Organização das Nações Unidas o valor de base, com o qual se há-de confrontar e à qual vá haurir inspiração constante a consciência dos seus Membros.”
(Discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, 2 de outubro de 1979).

O pior vem depois:

“Tal é, com efeito, a medida do bem comum de cada uma delas. E faço votos por que cada um possa viver e fortificar-se com a força moral desta comunidade, que forma os próprios membros como cidadãos. Faço votos por que as autoridades estatais, respeitando os justos direitos de cada cidadão, possam gozar, para o bem comum, da confiança de todos os concidadãos. Faço votos por que todas as Nações, mesmo as mais pequenas, mesmo aquelas que não gozam ainda da plena soberania e aquelas às quais ela foi tirada forçadamente, possam encontrar-se em plena igualdade com as demais na Organização das Nações Unidas. E faço votos por que a Organização das Nações Unidas, permaneça sempre o supremo foro da paz e da justiça: autêntica sede da liberdade dos povos e dos homens, com a sua aspiração a um futuro melhor.”
(Idem).

João Paulo II confirma o dito sobre o Paulo VI: estão passando para a ONU a missão que deveria de ser da Igreja, mesmo com a agenda radicalmente anticristã do órgão mundialista.

João Paulo II também disse num discurso ao Presidente da Itália. Ainda que o discurso seja privado, expressa inequivocamente o seu pensamento:

“Dados os motivos elevados que o inspiraram, eu desejo que esse novo acordo — que dá um valor especial, sobre pontos importantes, ao papel da Conferência Episcopal Italiana — marque, para os anos vindouros, um progresso nas boas relações entre as instituições religiosas e civis, que têm, ambas, por finalidade favorecer o bem do país para a promoção do homem… Senhor presidente, o homem… é, na realidade, a ‘via real da Igreja’… A pessoa humana é, a tal ponto, a via real, que um Estado democrático e aberto para o futuro, não pode deixar de ir para frente se ele quer verdadeiramente servir ao homem… [Isso] em favor da paz, a qual não reinará se os direitos do homem não forem respeitados e que, por seu lado, é ela uma condição fundamental para o exercício de todo direito.”
(Discurso ao Presidente de República Italiana Sandro Pertini, 21 de maio de 1984, D.C., n. 1879, 5 de agosto de 1984, p. 773).

Esse discurso chega a constranger. Fico pensando se os Dimond realmente exageraram ao acusar João Paulo II de ensinar solenemente que o homem é Deus[2]. Em verdade, creio que sim, exageraram. No entanto, é inegável há sim certa idolatria do homem.

Bento XVI fará o mesmo com a sua encíclica Caritas in veritate. Em prol da brevidade, colocarei apenas um comentário. Sobre Bento XVI, convido a leitura do meu artigo “A igreja pecadora e ecumênica de Joseph Ratzinger”. Sobre a encíclica Caritas in veritate, o Pe. Peter R. Scott escreve:

“Baseando-se no Vaticano II (Gaudium et spes) e nas encíclicas do Papa Paulo VI (Populorum progressio) e João Paulo II (Sollicitudo rei socialis) sobre o mesmo assunto, ele declara que doravante a Igreja “está a serviço do mundo” — a gente se pergunta o que aconteceu com a declaração bem não-humanista de São João: “Se alguém ama o mundo, não há nele a caridade do Pai” (I Jo 2:15) — e que, consequentemente, no que quer que ela faça (e.g.obras de caridade, culto divino), ela “está engajada na promoção do desenvolvimento integral do homem. Ela tem um papel público que não se esgota nas suas atividades de assistência ou de educação, mas revela todas as suas energias a serviço da promoção do homem e da fraternidade universal…” (§ 11). O objetivo dela, que não se esgota nas suas atividades particulares, deve ser, portanto, o de levar adiante os princípios da Revolução Francesa, seguindo o ideal do naturalismo maçônico. Daí o papel fundamental dela no processo de globalização, como veremos.”
(Disponível em nosso site: “Manifesto humanista”. Itálicos no original)

Agora vamos à Era Francisco.

A ERA FRANCISCO

Jorge Mario Bergoglio, putativamente chamado “Papa” Francisco, mostrou a que veio pouco tempo depois de assumir o seu antipontificado. Um dos pontos que chamaram-me a atenção do seu antipontificado foi a sua abordagem sobre a pandemia de COVID-19. Francisco não apenas abraçou totalmente a narrativa como escreveu uma carta mensagem à Reunião de Primavera do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional onde lemos:

“Enquanto muitos países agora estão consolidando planos individuais de recuperação, permanece uma necessidade urgente de um plano global que possa criar novas ou regenerar instituições existentes, especialmente as de governança global, e ajudar a construir uma nova rede de relações internacionais para promover o desenvolvimento humano integral de todos os povos.”
(Carta por ocasião da Reunião de Primavera de 2021 do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, 4 de abril de 2021)

E ainda:

“É hora de reconhecer que os mercados — especialmente os financeiros — não se auto-regulam. Os mercados precisam ser sustentados por leis e regulamentações que garantam que funcionem para o bem comum, garantindo que as finanças — em vez de serem meramente especulativas ou financiando a si mesmas — trabalhem para os objetivos sociais tão necessários no contexto da atual emergência global de saúde. Nesse sentido, especialmente precisamos de uma solidariedade vacinal justamente financiada, pois não podemos permitir que a lei do mercado tenha precedência sobre a lei do amor e a saúde de todos. Aqui, reitero meu apelo aos líderes governamentais, empresas e organizações internacionais para trabalharem juntos na provisão de vacinas para todos, especialmente para os mais vulneráveis e necessitados.”
(Idem)

Por mais que esse documento não seja magisterial, tem por base um documento que, em tese, seria magisterial se fosse de um verdadeiro papa: a carta encíclica Fratelli tutti. Antes dela, tivemos Francisco ensinando o seguinte:

“Caros irmãos e irmãs, nunca estamos sós. Podemos estar longe, ser hostis, podemos até professar-nos ‘sem Deus’. Mas o Evangelho de Jesus Cristo revela-nos que Deus não consegue estar sem nós: Ele nunca será um Deus ‘sem o homem’; é Ele que não pode estar sem nós, e este é um grande mistério! Deus não pode ser Deus sem o homem: este é um grande mistério!”
(Audiência Geral, 7 de junho de 2017).

Aqui Francisco não mostra nenhuma novidade. Ele está em perfeita continuidade com o que ensina a Gaudium et spes. A Igreja precisa dos descrentes e Deus precisa do homem. E isso nos leva à Declaração de Abu Dhabi:

A liberdade é um direito de toda a pessoa: cada um goza da liberdade de credo, de pensamento, de expressão e de ação. O pluralismo e as diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferente. Por isso, condena-se o facto de forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como de impor um estilo de civilização que os outros não aceitam.”
(Documento sobre a Fraternidade Humana em Prol da Paz Mundial e da Convivência Comum, 4 de fevereiro de 2019).

Segundo Francisco, Deus quis a diversidade de religiões mesmo que tais ofendam a Ele, mesmo que implique a violação dos três primeiros mandamentos de todas as formas possíveis. E a consequência disso é a já mencionada Fratelli tutti. Antes de encerrar a sessão sobre a Era Francisco, coloco duas citações que já dizem tudo:

“Na verdade, «a comunidade internacional é uma comunidade jurídica fundada sobre a soberania de cada Estado-membro, sem vínculos de subordinação que neguem ou limitem a cada qual a sua independência». Com efeito, «a tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. (…) É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental». É necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto.
“…
“… é preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental». Quero destacar que os 75 anos de existência das Nações Unidas e a experiência dos primeiros 20 anos deste milénio mostram que a plena aplicação das normas internacionais é realmente eficaz e que a sua inobservância é nociva. A Carta das Nações Unidas, respeitada e aplicada com transparência e sinceridade, é um ponto de referência obrigatório de justiça e um veículo de paz. Mas isto pressupõe não disfarçar intenções ilícitas nem colocar os interesses particulares de um país ou grupo acima do bem comum mundial. Se a norma é considerada um instrumento que se usa quando resulta favorável e se contorna quando não o é, desencadeiam-se forças incontroláveis que causam grande dano às sociedades, aos mais frágeis, à fraternidade, ao meio ambiente e aos bens culturais, com perdas irrecuperáveis para a comunidade global.”
(Carta encíclica Fratelli tutti, 3 de outubro de 2020)

Francisco, em um discurso aos judeus eslovacos, cita o Talmud para apoiar sua religião humanista e agradar aos mesmos judeus. Ele disse que “segundo o Talmud, quem destrói um só homem destrói o mundo inteiro, e quem salva um só homem salva o mundo inteiro” (discurso por ocasião do Encontro com a Comunidade Judaica de Brastilava, Eslováquia, 13 de setembro de 2021). O Talmud é o livro mais diabólico já escrito onde se lê inúmeras blasfêmias do pior tipo. Nele lemos, por exemplo:

“Na Véspera da Páscoa, eles penduraram o corpo de Jesus de Nazaré depois de o terem matado por apedrejamento. E um arauto saiu diante dele por quarenta dias, proclamando publicamente: Jesus de Nazaré está saindo para ser apedrejado porque praticou feitiçaria, incitou as pessoas à adoração de ídolos e desviou o povo judeu do caminho.”
(Sanhedrin, cap.6, 43a, 20)

E ainda:

“Onkelos disse a ele: Qual é o castigo daquele homem, um eufemismo para Jesus ele mesmo, no próximo mundo? Jesus disse a ele: Ele é punido com excremento fervente. Como o Mestre disse: Qualquer pessoa que zomba das palavras dos Sábios será condenada a excremento fervente. E este foi o seu pecado, pois ele zombou das palavras dos Sábios. A Gemara comenta: Venha e veja a diferença entre os pecadores de Israel e os profetas das nações do mundo. Pois Balaão, que era um profeta, desejava o mal a Israel, enquanto Jesus de Nazaré, que era um pecador judeu, buscava seu bem-estar.”
(Gittin, cap. 5, 57a, 4)

São passagens dignas de uma seita satânica. Isso fora diversas imoralidades como:

“A Gemara pergunta: Com relação a qual princípio Rav e Shmuel discordam? A Gemara responde: Rav sustenta que qualquer halachá que se aplique a alguém que se envolve em relações sexuais ativamente se aplica também a alguém que se envolve passivamente, e qualquer halachá que não se aplique a alguém que se envolve ativamente não se aplica a alguém que se envolve passivamente. Portanto, assim como alguém que se envolve em relações sexuais ativamente não é responsável se tiver menos de nove anos, pois o ato sexual de tal criança não tem o status haláchico de relações sexuais, da mesma forma, se uma criança com menos de nove anos se envolver em relações sexuais homossexuais passivamente, aquele que se envolve em relações sexuais com ele não é responsável.”
(Sanhedrin, cap. 7, 54b, 22)

Creio que tal passagem dispensa comentários. Nem recomendo a leitura contínua do capítulo 7 do livro de Sanhedrin porque há descrições mais obscenas do que das mais bizarras produções pornográficas. Coloquei essas citações apenas para mostrar que tipo de livro Francisco cita em seus discursos para agradar aos deicidas.

Tais fatos mostram uma divinização prática do homem e toda essa subserviência à Sinagoga, parece-nos evidente que a Religião do Homem, do Vaticano II, também é uma religião noachida. Com efeito, Elii Benamozegh entende que o cristianismo e o judaísmo distinguem-se essencialmente apenas no papel de Jesus Cristo na salvação. Ademais, escreve ele que:

“[A Tradição judaica] lista os preceitos aos quais os gentios estão sujeitos. É um culto completamente separado, que não tem nenhuma outra conexão com o mosaísmo além daquela que liga o culto dos leigos à regra sacerdotal. Os Doutores [da lei], por conseguinte, proclamam, como consequência legítima dessa doutrina verdadeiramente católica, no único sentido verdadeiramente legítimo da palavra, que os justos de todas as nações participam da salvação eterna.”
(Isräel et l’Humanité, Ernest Leroux, 1914, III, cap. III, 4, p. 497. Grifos meus)

Temos aqui exemplo explícito de supremacismo judaico. Benamozegh não buscou apenas conciliar as religiões, mas colocar os judeus como uma raça sacerdotal que mediaria Deus e os gentios.

Benamozegh ainda escreve:

“[Quinto Aurélio] Símaco tem uma frase que traduz admiravelmente a doutrina judaica sobre a necessidade das diversas formas religiosas. Depois de dizer que é justo supor que todo o gênero humano adore em última análise apenas um único e mesmo Ser, ele se pergunta por que então existem tantos cultos diferentes? ‘É, diz ele, que o mistério é tão grande que é impossível alcançá-lo por um único caminho’. Não se poderia escrever nada mais verdadeiro nem mais profundo. Temístocles, de forma mais leve, expressa a mesma verdade. Ele diz: ‘Parece que o Senhor e supremo governador deste mundo se compraz na diversidade das religiões. É sua vontade que o sírio adore de uma certa maneira, o grego de outra e o egípcio de forma ainda diferente’. Também é por isso que Warburton errou ao ver aí uma fórmula característica do politeísmo. Não é nada disso; o monoteísmo, ao contrário, só pode se tornar universal a essa condição: unidade na diversidade e diversidade na unidade.
“Esta variedade de formas, aliás, independentemente da unidade suprema à qual está subordinada, constitui ela mesma a religião universal em seu conjunto; pois não se trata de uma variedade arbitrária e acidental, mas de algo necessário e orgânico, que tem suas raízes nas profundezas da natureza. A unidade religiosa não poderia, portanto, ser completamente representada sem o concurso de todos estes aspectos diversos que, considerados separadamente, parecem se excluir reciprocamente.”
(Idem, pp. 504-505)

Tudo isso caminha para uma religião com dogmas reduzidos. Isso tem por fim facilitar a subordinação aos judeus.

Continua Benamozegh:

Israel acredita, portanto, que todo o conteúdo moral de sua própria lei se encontra, ao lado do mosaísmo, em outra lei que ele diz destinada ao gênero humano como um todo. Uma instituição particular, com formas rigorosamente étnicas, se encontra possuindo dessa forma não apenas a concepção teórica, mas as próprias regras de organização da religião mais universal que se possa imaginar; muito mais, ela parece ter como missão especial a conservação e a propagação dessa mesma religião. Este é um fenômeno absolutamente único na história.
“Locke afirma, com razão, que algo semelhante existiu entre os romanos. Segundo ele, havia em Roma uma harmonia tão perfeita entre as instituições civis e a religião que a sociedade não corria o risco de ser dilacerada por cismas e permanecia aberta a todos os cultos. Ela podia, portanto, acolher em seu seio os povos conquistados com todas as suas divindades e bastaria que Numa [Pompílio, Rei de Roma], reconhecendo a necessidade de uma religião nacional inseparável do Estado, compreendesse ao mesmo tempo a obrigação de reduzir os dogmas dessa religião de Estado a um número muito pequeno de artigos de fé suficientemente simples para não serem suscetíveis de interpretações sutis nem de divergências lamentáveis e de caráter suficientemente geral para que não pudessem chocar as crenças de nenhuma pessoa honesta e religiosa. O credo dessa religião se resumia a estas duas proposições: É dos deuses que todo bem descende, e para merecer esses bens, deve-se honrar os deuses principalmente se mantendo inocente, bom e justo.”
(Idem, pp. 508-509)

Podemos perceber que Benamozegh queria uma religião que na prática seria sem dogmas e subordinada ao “mosaísmo”. O papel dos judeus seria sacerdotal, um povo sacerdote. Dada a subserviência dos falsos papas, ficou evidente a intenção de impor uma religião noachida aos católicos por meio do falso magistério conciliar. Para mais detalhes, fica a recomendação do artigo “Do ‘Motivo da Substituição’ à Religião Noachida”, do Michel Laurigan.

Dito tudo isto, vamos ao recém-publicado documento.

A DECLARAÇÃO DIGNITAS INFINITA

Abster-me-ei de comentar a apresentação, pois o que virá a seguir já basta. A declaração Dignitas infinita já começa de forma escandalosa, com uma heresia que nomeia o documento:

“(Dignitas infinita) Uma dignidade infinita, inalienavelmente fundada no seu próprio ser, é inerente a cada pessoa humana, para além de toda circunstância e em qualquer estado ou situação se encontre. Este princípio, que é plenamente reconhecível também pela pura razão, coloca-se como fundamento do primado da pessoa humana e da tutela de seus direitos.”
(Declaração Dignitas infinita [desde já DI], n. 1, 2 de abril de 1924)

É impossível a dignidade humana ser infinita. Isso vai contra a metafísica e a teologia católica. Não está de acordo com a sã filosofia e nem mesmo com a teologia. Isso parte do princípio de que sendo o homem uma criatura não apenas finita mas também contingente, é impossível que a sua dignidade seja infinita. Fora que se a dignidade é infinita, ela nunca poderia decair. No entanto, ensina Leão XIII:

“Se a inteligência adere as opiniões falsas, se a vontade escolhe o mal e a ele se apega, nem uma nem outra atinge a sua perfeição, ambas decaem da sua dignidade nativa e se corrompem. Não é, pois, permitido dar a lume e expor aos olhos dos homens o que é contrário à virtude e à verdade, e muito menos ainda colocar essa licença sob a tutela e a proteção das leis.”
(Carta encíclica Immortale Dei, 1º de novembro de 1885)

Alguém ainda poderia objetar que talvez refira-se a uma dignidade infinita secundum quid mas não simpliciter. Razão por que a nossa redenção custou o Santo Sacrifício da Cruz, i.e., a morte do próprio Deus encarnado. Sendo assim, poderíamos dizer que o homem possuiria sim uma dignidade infinita em virtude desse sacrifício mas não por si. No entanto, tal argumento não se sustenta. A própria necessidade desse sacrifício já mostra que é impossível a dignidade ser infinita e tampouco pode haver uma dignidade infinita secundum quid porque o sacrifício redentor rendeu méritos infinitos para que possamos merecer a salvação, que nem chega a todos. Ademais, se há a possibilidade de condenação eterna para os homens, isso também já prova a impossibilidade de tal dignidade infinita secundum quid. Mesmo se tal dignidade fosse infinita secundum quid, ninguém poderia se condenar ao inferno porque o sacrifício redentor confirmaria a todos na salvação eterna e não somente garantiria os méritos necessários.

Leiamos o outro parágrafo:

“Desta dignidade ontológica e do valor único e eminente de cada mulher e de cada homem que existem neste mundo fez-se eco a Declaração universal dos direitos do homem (10 de dezembro de 1948) por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas. Fazendo memória do 75º aniversário deste Documento, a Igreja vê a ocasião para proclamar novamente a própria convicção de que, criado por Deus e redimido por Cristo, cada ser humano deve ser reconhecido e tratado com respeito e com amor, em razão da sua inalienável dignidade.”
(DI, n. 2)

Repare o Leitor que a Declaração é mencionada novamente. Desta vez sem nenhuma ressalva (pelo menos João XXIII teve essa elegância). E depois cita inúmeros falsos papas até chegar em Bergoglio. O documento não cita um único documento pré-Vaticano II (nem tem como). E ainda diz que a dignidade é inalienável. Não, não é inalienável.

Também, mais à frente, até se arrisca uma explicação escolástica sobre o que é pessoa segundo a definição clássica de Boécio (substância individual de natureza racional). Isso mostra que o Cardeal Fernández não é nenhum ignorante. Vejamos mais à frente:

“Sermos criados à imagem de Deus significa, portanto, possuir em nós um valor sagrado que transcende toda distinção sexual, social, política, cultural e religiosa. A nossa dignidade é-nos conferida, não é nem pretendida e nem merecida. Todo ser humano é por si mesmo amado e querido por Deus e, por isso, é inviolável na sua dignidade.”
(DI, n. 11)

A maior dignidade que o homem pode ter é de ser cristão e conservar o estado de graça. Aliás, a palavra “pecado” aparece uma única vez em todo o documento (no numeral 22), enquanto que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é mencionado no corpo do texto quatro vezes e duas vezes nas notas de rodapé.

Em seguida:

“Tal dignidade ontológica, na sua manifestação privilegiada através do livre agir humano, foi posteriormente ressaltada sobretudo pelo humanismo cristão do Renascimento. Também na visão de pensadores modernos, como Descartes e Kant, não obstante colocassem em discussão alguns fundamentos da antropologia cristã tradicional, podem-se encontrar também fortes ecos da Revelação.”
(DI, n. 13)

Elogiar Descartes e Kant é simplesmente inaceitável. Gostaria de saber que “ecos da Revelação” são esses. Vejamos Kant, por exemplo, porque sobre Descartes isso foi tratado aqui (cf. “O legado maldito de René Descartes”). Kant ensina que:

“A religião em que eu devo primeiro saber que uma coisa é ordenada por Deus para depois reconhecê-la como meu dever é a religião revelada. Já aquela em que eu devo primeiro saber que uma coisa é meu dever para depois reconhecê-la como mandamento de Deus é a religião natural.”
(IMMANUEL KANT; Gesammelte Schriften, ed. Preussische Akademie der Wissenschaften, 1902, vol. VI, p. 153)

Mas como saber se essa religião é a verdadeira? Basta ver como Kant julga como sabemos qual é a verdadeira Igreja:

“A verdadeira Igreja (visível) é a que representa o reino (moral) de Deus sobre a terra, na medida em que é possível ao homem realizar esse reino.”
(Idem, p. 101)

Para Kant, a religião não é mais que um conjunto de regras morais muito análogas à religião noachida. Nele não encontramos nada de Revelação. Kant diz que “a religião é (subjetivamente considerada) o conhecimento de todos os nossos deveres como mandamentos divinos” (idem, p. 163). Perceba o Leitor que assim a Revelação se torna completamente inútil para Kant, pois ela não é externa mas sim interna e subordinada à capacidade humana de cumprir os preceitos morais. De fato, isso é muito digno de um documento herético como esse.

Depois, inúmeros erros um atrás do outro:

“Para esclarecer melhor o conceito de dignidade, é importante assinalar que ela não é concedida à pessoa por outros seres humanos, a partir de seus talentos e qualidades, de modo que poderia ser eventualmente retirada. Se a dignidade fosse concedida à pessoa por outros seres humanos, então ela se daria de modo condicionado e alienável e o próprio significado de dignidade (ainda que merecedor de grande respeito) permaneceria exposto ao risco de ser abolido. Na verdade, a dignidade é intrínseca à pessoa, não conferida a posteriori, prévia a qualquer reconhecimento, não podendo ser perdida. Em consequência, todos os seres humanos possuem a mesma e intrínseca dignidade, independentemente do fato que sejam ou não capazes de exprimi-la adequadamente.”
(DI, n. 15)

Como dito, o homem pode decair de sua dignidade, segundo Leão XIII. E o parágrafo seguinte merece uma reprodução extensa:

“Por isso, o Concílio Vaticano II fala da «eminente dignidade da pessoa humana, superior a todas as coisas e cujos direitos e deveres são universais e invioláveis». Como recorda o incipit da Declaração conciliar Dignitatis humanae, «os seres humanos tornam-se sempre mais conscientes da própria dignidade como pessoa e cresce o número daqueles que exigem poder agir por própria iniciativa, exercendo sua liberdade responsável, movidos pela consciência do dever e não obrigados por medidas coercitivas». Tal liberdade de pensamento e de consciência, seja individual ou comunitária, é baseada sobre o reconhecimento da dignidade humana «como foi-lhes dada a conhecer pela Palavra de Deus revelada e pela própria razão». O mesmo Magistério eclesial amadureceu, com sempre maior perfeição, o significado de tal dignidade, junto com as exigências e as implicações a ele conexas, chegando à tomada de consciência de que a dignidade de cada ser humano é tal para além de toda circunstância.”
(DI, n. 16)

Isso vai contra o que ensina a carta encíclica Quanta cura, de Pio IX:

“E, contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, não duvidam em afirmar que ‘a melhor forma de governo é aquela em que não se reconheça ao poder civil a obrigação de castigar, mediante determinadas penas, os violadores da religião católica, senão quando a paz pública o exija’. E com esta idéia do governo social, absolutamente falsa, não hesitam em consagrar aquela opinião errônea, em extremo perniciosa à Igreja católica e à saúde das almas, chamada por Gregório XVI, Nosso Predecessor, de feliz memória, loucura, isto é, que ‘a liberdade de consciências e de cultos é um direito próprio de cada homem, que todo Estado bem constituído deve proclamar e garantir como lei fundamental, e que os cidadãos têm direito à plena liberdade de manifestar suas idéias com a máxima publicidade — seja de palavra, seja por escrito, seja de outro modo qualquer —, sem que autoridade civil nem eclesiástica alguma possam reprimir em nenhuma forma’.”
(Carta encíclica Quanta cura, 8 de dezembro de 1864)

Perceba-se que temos a mesma contradição que há com Dignitatis humanae. No entanto, a contradição com Dignitas infinita é ainda mais gritante. Lemos adiante que insistem na Declaração universal do  direitos do homem sem nenhuma ressalva:

“Como já recordado por Papa Francisco, «na cultura moderna, a referência mais próxima ao princípio da dignidade inalienável da pessoa é a Declaração universal dos direitos do homem, que São João Paulo II definiu ‘pedra miliar colocada sobre o longo e difícil caminho do gênero humano’, e como ‘uma das mais altas expressões da consciência humana’». Para resistir às tentativas de alterar ou cancelar o significado profundo daquela Declaração, vale a pena recordar alguns princípios essenciais que devem ser sempre honrados.”
(DI, n. 23)

Sem querer alongar demais, vemos o documento rejeita a doutrina tradicional da pena de morte:

“É necessário mencionar aqui o tema da pena de morte, que também viola a dignidade inalienável de toda pessoa humana para além de toda circunstância. Deve-se, ao contrário, reconhecer que «a decidida rejeição da pena de morte mostra até que ponto é possível reconhecer a inalienável dignidade de cada ser humano e admitir que tenha um lugar neste mundo, já que se não o nego ao pior dos criminosos, não o negarei a ninguém, darei a todos a possibilidade de partilhar comigo este planeta, malgrado o que nos possa separar».”
(DI, n. 34)

Isso já foi suficientemente tratado em “Por que Francisco não é verdadeiro papa da Igreja Católica”. Sobre a guerra justa, também isso foi rejeitado:

“Papa Francisco sublinha, enfim, que «não podemos mais pensar na guerra como solução. Diante desta realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais maturados em outros séculos para falar de uma possível ‘guerra justa’. Nunca mais a guerra!».”
(DI, 39)

Sem a guerra justa, pode acontecer de prevalecer a conivência com o mal. Se um grupo vem e vandaliza a cidade, mata o povo, escraviza os outros e violam as mulheres, é por direito natural que podemos reagir com violência proporcionada.

Não comentarei o restante do documento que trata sobre o aborto, “mudança de sexo” (eufemismo para mutilação genital para alterar a aparência), teoria de gênero etc. Ainda que não haja em si erros, o documento trata todos esses temas com eufemismos e usando a suposta “dignidade infinita” como justificativa para reprovar esses erros. Como dito acima, a palavra pecado foi utilizada uma única vez.

Creio ser o suficiente para expor ao menos os principais erros.

CONCLUSÃO

O documento é herético, com erros, escandaloso e mesmo quando acerta, acerta com eufemismo e com linguagem humanista. É um documento que poderíamos esperar de um maçom protestante, mas não de um clérigo católico. Poderiam objetar que o “Papa” Francisco não redigiu o documento, mas sim o dito Cardeal Fernández. No entanto, Francisco assinou o documento e quando um papa assina um documento, ele necessariamente subscreve o que está escrito nele e o mesmo documento passa a ser uma referência magisterial que devemos seguir.

Tal documento não pode ter sido emanado de um verdadeiro papa da Igreja Católica e por isso é cheio de heresias e erros contra a moral. Francisco mais uma vez deu uma prova do seu antipontificado.

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[1] O próprio João XXIII observa isso antes que alguém objete e não objeto de discussão se ele foi papa ou não (particularmente creio que não foi). Com efeito, lemos no parágrafo seguinte: “Contra alguns pontos particulares da Declaração foram feitas objeções e reservas fundadas”. Ademais, como veremos, isso depois não será mais observado e a própria encíclica Pacem in terris será usada como base para tal.

[2] Aqui temos um caso típico de exagero por parte dos Dimond. Não seria incorreto afirmar que o humanismo de Karol Wojtyla é exagerado e que, na prática, ele promoveu um verdadeiro culto ao homem. No entanto, Wojtyla não ensinou explicitamente que o homem é Deus. Além disso, em muitos pontos, os Dimond parecem muito apressados em lançar críticas. Um exemplo disso é afirmar que, em sua primeira homilia (22 de setembro de 1978), João Paulo II ensinou que todo homem é Deus ao dizer: “Naquelas mesmas palavras está a fé da Igreja; em tais palavras, ainda, encontra-se a verdade nova, ou melhor, a última e definitiva verdade — sobre o homem: o filho de Deus vivo. — Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo!”. No entanto, não há nada que indique isso. É fato que, na prática, ele promoveu a Religião do Homem, mas afirmar que isso foi ensinado explicitamente é precipitado.

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