REFUTANDO O SEDEVACANTISMO

AJUDANDO O SR. ALESSANDRO LIMA E OUTROS ADVERSÁRIOS

Luciano Takaki
2024

[NOTA ADICIONAL (1º de fevereiro de 2024): Recentemente, o Alessandro Lima publicou uma réplica a este artigo (cf. “A frustrada aula do ‘professor’ Luciano Takaki”), que eu já repliquei (cf. “TRÉPLICA AO ALESSANDRO LIMA”). Apesar de ele levantar algumas objeções interessantes, não deixa de ser ainda o mais do mesmo. São argumentos requentados de outros continuístas e certos resistentes.

Ademais, como ficou claro,  Alessandro Lima não refutou nenhum ponto. As melhores objeções contra o sedevacantismo podem apontar uma ou outra dificuldade, mas não refutam porque não atingem a essência da posição: a indefectibilidade e a infalibilidade da Igreja e também a obrigação de ser dócil para com o Magistério como se fosse o ensinamento vindo do próprio Deus. Por isso, julgamos que a posição sedevacantista (em sentido lato) é a mais coerente com a Religião católica, pois preserva a indefectibilidade da Igreja, mantém intacto o seu Magistério, não nos faz viver o solipsismo continuísta e nem o espírito de rebeldia dos resistentes.]

INTRODUÇÃO — UM MODO DIFERENTE

Parece estranho o título, mas é esse mesmo. Recentemente, o sr. Alessandro Lima, da editora Veritatis Splendor, publicou uma série de artigos contra a posição sedevacantista. Isso me fez sair da minha resolução de não mais fazer militância sedevacantista, apesar de já ter feito isso em textos anteriores. No entanto, aqui farei novamente algo diferente, responder diretamente a alguém em específico, mas o farei também dirigindo-me a outros adversários da posição, pois parece que ninguém mais entendeu. Não comentarei aqui os anteriores antes do último publicado (“Sedevacantismo, uma ideia absurda”) até a escrita deste artigo, razão por que as respostas estão espalhadas pelas inúmeras publicações deste site. Comentarei o último.

O que mais chama a atenção é a total falta de senso de prioridade do Alessandro Lima. Enquanto Bergoglio quer transformar a Igreja numa ONG LGBTQI+etc e a Religião católica numa religião noachida, o sr. Lima prefere bater no sedevacantismo. Não sei se isso é ignorância dele sobre a crise ou se a razão dele está obliterada, mas o fato é que ele considera o sedevacantismo mais grave que o próprio modernismo.

Como também podemos ler, o Alessandro Lima não é coerente com seu santo de devoção, mas veremos isso mais tarde.

Não vou aqui tratar dos pontos sobre a bula Cum ex apostolatus officio e tampouco sobre as questões envolvendo a validade da eleição papal. Isso deixo para os meus amigos totalistas, visto que sou guerardiano (evito o termo “sedeprivacionista” e tenho pouco a objetar sobre esses tópicos). Tampouco buscarei refutar algo, pois creio que temos material suficiente para, se não for para refutar diretamente os pontos, ao menos conjecturar as refutações sobre os pontos abordados.

Como diz o título, a minha intenção é ajudar o sr. Alessandro Lima e os outros a refutar a nossa posição. Sim, exatamente isso. Para isso, esclarecerei os principais pontos aos nossos adversários. Mas vamos tratar um primeiro ponto para que não haja mal entendidos.

PRIMEIRO PONTO: NÃO SOMOS SEDEVACANTISTAS PORQUE GOSTAMOS

Domingo, 5:30 da manhã, eu acordo para assistir à missa das 7:00 na paróquia. O tempo é exato para arrumar-me e me deslocar até o local da missa. Não tenho tempo para fazer as orações da manhã, mas as faço durante a missa mesmo. Antes era assim que eu cria cumprir o meu preceito. Era simplesmente tranquilo.

Conforme fui tomando consciência da crise, passei a desconfiar da catolicidade do rito novus ordo. A pandemia foi a ocasião para perceber que o clero novus ordo não valorizava a própria missa e nem sequer a hóstia que julgam ser o próprio Nosso Senhor (ao menos com palavras, diziam crer). Quando tornei-me lefebvrista, decidi abandonar o rito novus ordo. Essa decisão foi difícil, pois isso significaria abandonar a rotina que descrevi no parágrafo acima.  Agora, iria viajar mensalmente 125 km para assistir a uma missa tridentina numa sala comercial alugada no subúrbio.

Mais tarde, até disso abriria mão, pois convenci-me de que é impossível o papa ensinar tais absurdos, agora fiquei dependente de missões. Os sedevacantistas abrem mão de mais coisas ainda, pois a maioria deles não assiste a missas una cum, rejeitam a maioria dos sacramentos como duvidosos ou inválidos e mesmo quando Francisco e seus predecessores ensinam algo correto mui raramente, isso não passa de um discurso vão em meio a heresias. Os sedevacantistas gastam boa parte de sua renda ajudando missões, ajudando na manutenção de seminários e na despesa de padres resistentes e conventos etc. São despesas de milhares e milhares de reais para sustentar algo que na estrutura da religião novus ordo seria financiado pelo alto clero. Os franciscanos do Convento de São Miguel e Santo Antônio teriam uma vida muito mais tranquila se não fossem sedevacantistas. Se agora eles se unirem ao clero novus ordo, certamente tudo seria muito mais fácil e teriam um convento com melhor estrutura, maior e não seriam assombrados com os exorbitantes boletos de despesas que são pagos no sufoco dependendo de doações.

Nenhum sedevacantista de bem (excluindo aqui os sectários que mancham a imagem dos outros por comportamento belicoso e sectário) é sedevacantista porque gosta, mas porque tem a mais sincera e honesta convicção de que é a posição certa. Aqui vamos ao segundo ponto.

SEGUNDO PONTO: OS PRINCÍPIOS INEGOCIÁVEIS

Nós, sedevacantistas, temos princípios inegociáveis dos quais não abrimos mão de forma alguma. Ao contrário do que o sr. Alessandro Lima crê, não temos uma falsa noção de infalibilidade. Claro que alguns sedevacantistas possuem sim uma noção de infalibilidade dilatada que também não me agrada, mas há também outros que têm uma noção mitigada quase no nível dos lefebvristas, mas nenhum deles aceita que um papa possa (1) ensinar erros para toda Igreja, mesmo que seja por meio do magistério meramente autêntico e (2) aprovar uma liturgia má, como é o caso do novus ordo.

Se o papa não pode ensinar o erro mesmo no seu magistério meramente autêntico, também cremos que é ainda mais impossível que isso ocorra quando se exerce o magistério por meio de um concílio ecumênico. Ou seja, se o Vaticano II é realmente um concílio ecumênico aprovado por um verdadeiro papa (i.e., Paulo VI), ele não pode conter absolutamente nenhum erro.

Assim sendo, o Alessandro Lima e qualquer outro adversário devem iniciar a refutação a partir dessas premissas, de que o papa não pode ensinar nada errôneo a toda Igreja e nem impor uma má disciplina, seja de qual modo for. Se Francisco é papa, absolutamente tudo que emanar dele para toda Igreja deve ser católico e sem quaisquer resquícios de algo pecaminoso. Tudo isso é demonstrado pelo próprio magistério como já foi exposto em todos os artigos sobre o assunto (cf. ÍNDICE SOBRE O SEDEVACANTISMO) e em diversos documentos como, por exemplo, a carta encíclica Sapientiae christianae, de Leão XIII.

E mesmo as determinações emanadas das congregações romanas, aprovadas pelo papa exigem tanto assentimento externo como interno, como ensina o jesuíta Pe. Sisto Cartechini. Segundo o teólogo jesuíta, os “decretos das congregações romanas sobre alguma doutrina, promulgados por missão especial e com a aprovação do Sumo Pontífice e por sua ordem, têm valor de preceito doutrinário” (Dall’Opinione al Domma — Valore delle note teologiche, Edizione La Civiltà Cattolica, 1953, p. 74). E ainda: “…esses decretos têm menos vigor do que os decretos do pontífice; mas eles também devem ser obediência sob pena de pecado grave…”

Como expus noutro artigo (cf. “FIDUCIA SUPPLICANS, A FALSA RESISTÊNCIA E A TENTAÇÃO IGUALITÁRIA”), se a declaração Fiducia supplicans foi aprovada por um verdadeiro romano pontífice, nada pode ter de errado nela e as orientações devem ser obedecidas sob pena de pecado grave. O mesmo podemos dizer sobre o motu proprio Traditionis custodes. Não é lícito a absolutamente ninguém desobedecer a tudo isso. Salvo se estivermos diante de um falso papa. Se Bergoglio é realmente papa, devemos a máxima obediência e submissão das vontades, ao menos enquanto leigos, como ensina a já citada inúmeras vezes carta encíclica Sapientiae christianae (10 de janeiro de 1890): “… assim como a união dos espíritos reclama uma perfeita concórdia na mesma fé, assim também requer uma completa submissão e obediência das vontades à Igreja e ao pontífice romano, como a Deus mesmo” (grifo meu).

O ARTIGO DO ALESSANDRO LIMA TEM UM PONTO DE PARTIDA ERRÔNEO

No segundo parágrafo do artigo o Alessandro Lima escreve o seguinte:

Sem entrar no mérito se os sedevacantistas partem de fatos concretos que podem ser constatados sem dificuldade de que os ensinamentos novos do Concílio dificilmente podem ter a sua continuidade com os ensinamentos tradicionais demonstrada, além dos erros presentes nos ensinamentos de vários papa conciliares, acreditamos que tiram conclusões precipitadas, muitas vezes baseadas numa má compreensão da eclesiologia católica e da infalibilidade da Igreja e do Papa.” (Grifos meus)

É patente de que o Alessandro Lima tem um ponto de partida que não passa de uma tergiversação. Pois ele deliberadamente já exclui o ponto comum entre todos os sedevacantistas de todas as posições: que os ensinamentos do Vaticano II representam sim uma real ruptura com os ensinamentos tradicionais e de que isso não poderiam de nenhum modo terem sido emanados de um verdadeiro romano pontífice. Logo de cara, o sr. Alessandro Lima busca uma fuga para se esquivar justamente do maior problema onde toda a doutrina dos maiores expoentes do sedevacantismo se sustenta.

Mas o sr. Alessandro Lima não precisa se preocupar, estou aqui para explicar como entendemos a infalibilidade sem cair na infalibilidade dilatada de uns. Vamos pegar a noção mais aceita. Temos no site uma transcrição de parte do esquema preparatório do Vaticano II, organizado pelo então prefeito do Santo Ofício Cardeal Ottaviani (cf. DO MAGISTÉRIO DA IGREJA). O cardeal ensina que o magistério extraordinário e ordinário devem ser necessariamente infalíveis e que quando se é meramente autêntico, há segurança infalível. O Cardeal Franzelin ensina o mesmo (cf. O MAGISTÉRIO DA IGREJA, INFALIVELMENTE SEGURO).

Vejamos:

“A infalibilidade é aquele dom pelo qual a Igreja goza de tal privilégio que, com a ajuda do Espírito Santo, não pode errar em matéria de fé e moral, nem no que ensina nem no que crê.”
(V. ZUBIZARRETA, O.C.D.; Theologia dogmatico-scholastica ad mentem S. Thomæ Aquinatis, vol I, Theologia Fundamentalis, Bilbao 1948, nn. 453 ss. Apud. Pe. GIUSEPPE MURRO, I.M.B.C.; “A INFALIBILIDADE DA IGREJA”.)

A citação acima a partir de um padre sedevacantista é proposital. Talvez até mesmo provocativo, mas quero aqui, como já disse, ajudar o sr. Alessandro Lima. O estudo do Pe. Murro mostra bem que sim, conhecemos muito bem a infalibilidade e, surpresa!, não é diferente do que ensina o próprio Pe. Calderón em seu A candeia debaixo do alqueire. Bem sei que o Alessandro Lima não é calderonista, parece seguir mais o pensamento dos padres do IBP, em especial o Daniel Pinheiro, para quem o magistério meramente autêntico pode conter erros. Dissentimos, evidentemente, do parecer do Pe. Daniel Pinheiro, pois parece-me que todo seu estudo é uma forma de tentar justificar o injustificável: que podemos dissentir tanto interna como externamente do magistério não infalível do papa. Baseando-me no que o Pe. Cartechini ensina, julgo que isso não pode acontecer. Ademais, segundo ainda o Pe. Daniel Pinheiro, a “ausência da voluntas definiendi [no Vaticano II] exclui a possibilidade de que tal Magistério seja infalível”. Não me alongarei mais aqui, mas creio que os textos já mostram que isso é falso. Ainda que se possa opinar, não há nada que indique que possamos dissentir do ensinado. O Cardeal Franzelin ensina que isso não é seguro e o Pe. Cartechini nos ensina que é pecado grave.

Seja como for, conhecemos sim, muito bem a extensão da infalibilidade e a acusação do Alessandro Lima se mostra falsa. Vamos ao outro ponto.

UMA OUTRA FALSA ACUSAÇÃO

Escreve Alessandro Lima:

“De repente o fato dogmático de que se João XXIII foi ou não papa, e todos os seus sucessores desde então (chamados comumente de papas conciliares, porque são pontificados desde o advento do Concílio Vaticano II)  ficou ao arbítrio individual dos fiéis. Não é mais a Igreja quem nos informa se há ou [não] papa, mas isso é ‘discernido’ pelos fiéis que dizem que Deus aplicou a Sua lei contra o pontífice herético.” (Negrito no original e itálicos meus)

E depois coloca duas citações de Santo Tomás de Aquino sobre o julgamento sem entender a nossa posição. Segundo o Alessandro Lima, assumimos uma posição de superioridade e que somos nós quem depusemos o papa. Isso é totalmente falso. A nossa posição é análoga aos fiéis de Constantinopla que se retiraram da comunhão de Nestório quando esses constataram estar diante de um herege. Lê-se sobre isso:

“Alguns seus sacerdotes, pelo contrário, depois de terem várias vezes advertido publicamente Nestório na sua assembléia, vendo que persistia em não querer chamar a Santa Virgem de Mãe de Deus, e Jesus Cristo de verdadeiro Deus por natureza, afastaram-se de sua comunhão. Mas a eles, como também aos outros que se haviam manifestado na igreja contra o novo dogma, Nestório os proibiu de pregar; por isso o povo, despojado das lições de costume, exclamava: ‘Temos um imperador, mas não temos bispo’.”
(S. AFONSO DE LIGÓRIO; História das Heresias e suas Refutações, cap. V, art. 3, n. 24. Editora Ecclesiae, 2020, p. 139. Grifo meu)

Não adentrarei aqui neste espaço sobre a ruptura dos ensinamentos conciliares, mas dentro da nossa convicção, a nossa posição fica justificada. Aqui apenas cito in extenso o Pe. Hervé Belmont, (“A LIBERDADE RELIGIOSA”) que é bem claro:

A fé católica nos faz imperativamente aderir à proposição: Pio IX é Papa, Vaticano II é um falso concílio e a liberdade religiosa é um falso direito. E isso por duas razões:

— por uma razão material e segunda: a liberdade religiosa foi com frequência condenada; essa condenação exprime, pois, a doutrina perene da Igreja;

— por uma razão formal e principal, a anterioridade, vitalmente integrada ao ato de fé. Não se deve esquecer de levar em conta que na terra a Igreja Católica vive no tempo; é essencial ao seu caráter de Igreja militante.

Quando Dignitatis Humanæ ensina que a liberdade religiosa está fundada na Revelação divina, essa declaração conciliar dirige-se a almas que, em razão da Quanta Cura, e do ensinamento e prática seculares da Igreja, creem já, dentro da fé, que dita liberdade religiosa é contrária à Revelação divina.

A fé teologal interdiz o crente (que adere anteriormente e tranquilamente à Quanta Cura) de tornar a pôr em causa a fé. E, portanto, com a chegada da Dignitatis Humanæ, há somente três soluções possíveis: ausência de contradição, ausência de necessidade de aderir, ausência da autoridade.

Assim, após ter verificado que há realmente contradição segundo o sentido óbvio dos textos, após ter constatado que a Dignitatis Humanæ impera adesão de fé, o crente deve necessariamente recusar sua adesão ao texto da Dignitatis Humanæ e à autoridade que lho ensina.

É, pois, a fé católica que impede de considerar o Vaticano II como um verdadeiro concílio, e portanto de considerar Paulo VI (donde o Vaticano II tira toda a sua autoridade) como verdadeiro Papa.

Parece um tanto óbvio. O nosso intelecto não pode aderir a duas proposições opostas ao mesmo tempo e sob mesmo aspecto. Assim, é impossível aderir ao mesmo tempo e sob mesmo aspecto os textos da Dignitatis Huamanæ e da Quanta Cura. Ao aderir a um, rejeitará o outro necessariamente. A fé teologal, como é evidente, nos impele a aderir ao texto da Quanta Cura. Assim também podemos dizer o mesmo do motu proprio Traditionis custodes. Peguemos apenas duas partes do documento:

“Art.1. Os livros litúrgicos promulgados pelos santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, são a única expressão da lex orandi do Rito Romano.” (Tradução livre. Itálico no original e negritos meus)

E ainda:

“Tudo o que tenho disposto por meio desta Carta Apostólica na forma de Motu Proprio, ordeno que seja observado em todas as suas partes, não obstante qualquer coisa em contrário, mesmo que seja digno de especial menção, e estabeleço que seja promulgado mediante a sua publicação no jornal L’Osservatore Romano, entrando em vigor imediatamente, e que posteriormente seja publicado no comentário oficial da Santa Sé, Acta Apostolicae Sedis.” (Idem)

Temos aqui uma expressão do magistério autêntico. Alessandro Lima é crítico público do documento, como ficou evidente numa live com Joathas Bello e numa repostagem de um sermão do Pe. Daniel Pinheiro. No entanto, ensina o Pe. Sisto Cartechini, já mencionado acima, que as “verdades doutrinais e morais contidas nas liturgias aprovadas para a Igreja universal, especialmente as verdades relativas aos sacramentos e ao santo sacrifício da missa, são verdades de fé católica antes mesmo de serem definidas por algum concílio.” (op.cit., p. 21. Tradução livre e grifos meus).

Ou seja, o próprio Alessandro Lima é incoerente com sua própria posição ao criticar publicamente um documento aprovado por aquele que reconhece como papa. Isso não se faz. Se o Alessandro Lima quer refutar o sedevacantismo, deve assim provar cabalmente a continuidade dos ensinamentos do magistério do Vaticano II e a bondade do rito do novus ordo missae. Deve reconhecer que o motu proprio Traditionis custodes está na mais perfeita continuidade com todos os outros documentos.

O FATO DOGMÁTICO DA LEGITIMIDADE DO PAPA E A ACEITAÇÃO UNIVERSAL

O Alessandro Lima pensa que encontrou a chave de ouro para refutar o sedevacantismo: (1) a legitimidade do papa é um fato dogmático e (2) a eleição é válida e legítima se houver a aceitação universal. Não vou aqui adentrar nas citações, mas o primeiro depende do segundo. Um verdadeiro papa deve, além de ser eleito validamente, receber a devida jurisdição. Com a jurisdição, vem também o dom da infalibilidade para ensinar para toda Igreja sem nenhum erro em seu Magistério.

Vamos analisar o seguinte: temos a causa eficiente e seu efeito. A causa eficiente é a causa fazedora, produtora, geradora. Um gatinho é efeito da mãe gata e do pai gato, que são as causas eficientes. A infalibilidade é uma propriedade de um verdadeiro magistério da Igreja, cujo sujeito principal é o papa, que deve ser a causa eficiente de ensinamentos infalíveis. Peguemos a própria citação usada por Alessandro Lima em seu artigo:

“Esta extensão secundária ou indireta da infalibilidade inclui especialmente (a) conclusões teológicas, (b) verdades da ordem natural, (c) fatos dogmáticos, e (d) questões disciplinares gerais (…)

FATOS DOGMÁTICOS. Um fato dogmático é aquele que não foi revelado, mas está tão intimamente ligado a uma doutrina de fé que sem um conhecimento certo do fato não pode haver um conhecimento certo da doutrina. Por exemplo, o [Primeiro] Concílio Vaticano foi verdadeiramente ecumênico? Pio IX foi um papa legítimo? A eleição de Pio XI foi válida? Tais questões devem ser decididas com certeza antes que os decretos emitidos por qualquer concílio ou papa possam ser aceites como infalivelmente verdadeiros ou vinculativos para a Igreja. É evidente, então, que a Igreja deve ser infalível no julgamento de tais fatos, e uma vez que a Igreja é infalível tanto na crença como no ensino, segue-se que o consentimento praticamente unânime dos bispos e dos fiéis em aceitar um concílio como ecumênico, ou um Romano Pontífice como legitimamente eleito, dá certeza absoluta e infalível do fato.” (Negritos no original)

Temos aqui uma opinião teológica do Pe. Sylvester Berry. O consentimento dos bispos e dos fiéis é uma condição para o papa ser considerado verdadeiro, mas não pode ser causa eficiente disso. O mesmo podemos dizer com respeito ao que ensina Cardeal Billot. Nenhuma dessas citações usadas pelo Alessandro Lima é ignorada por nós. O uso da citação do Cardeal Billot em verdade deveria ser também um problema para o Alessandro Lima, pois o mesmo Billot nos ensina que é impossível o papa ser herege como homem privado e na mesma obra ele ensina que o papa é infalível nas disciplinas gerais. Billot escreve:

“[A] autoridade suprema da Igreja, em virtude da assistência do Espírito Santo, não pode jamais instituir leis que são de um modo ou de outro opostas aos preceitos revelados da fé e da moral.”    (Tractatus De Ecclesia Christi, T. I., Thesis XXII).

O cardeal jesuíta ainda segue:

“Primeiro, tiramos um argumento do que foi demonstrado acima sobre a santidade da Igreja. A santidade dos princípios na Igreja vem de facto de uma causa íntegra, e não é qualquer santidade, mas a santidade fundada na verdadeira fé, que tem a sua norma e a sua regra no Evangelho de Cristo. No entanto, as leis disciplinares são princípios sociais, por meio dos quais a Igreja insinua sua seiva em seus membros. Embora seja, portanto, necessário que a Igreja seja santa pela santidade dos princípios, nunca pode acontecer que a disciplina estabelecida e aprovada por ela seja contrária às regras da fé ou a nenhuma das normas dadas no evangelho. Segue-se obviamente que a Igreja é infalível no estabelecimento da disciplina, compreendendo a infalibilidade no sentido indicado pouco antes.” (Idem. Grifos meus).

O Alessandro Lima não entra nesse mérito, de fato. Se ele é crítico de um motu proprio Traditionis custodes, dissente do Cardeal Billot. E o Cardeal Billot é utilizado somente para os seus interesses. Voltemos à citação do Cardeal Billot usada por Alessandro. Aqui citarei com grifo meu e com os grifos do Alessandro Lima removidos:

“Pois a adesão da Igreja a um falso Pontífice seria o mesmo que sua adesão a uma falsa regra de fé, visto que o Papa é a regra viva de fé que a Igreja deve seguir e que de fato sempre segue, como se tornará ainda mais claro pelo que adiante diremos. Deus pode permitir que às vezes a vacância da Sé Apostólica se prolongue por muito tempo. Pode também permitir que surja dúvida sobre a legitimidade deste ou daquele eleito. Não pode contudo permitir que toda a Igreja aceite como Pontífice quem  não o é verdadeira e legitimamente. Portanto, a partir do momento em que o Papa é aceito pela Igreja e a ela unido como a cabeça ao corpo, já não é dado levantar dúvidas sobre um possível vício de eleição ou uma possível falta de qualquer condição necessária para a legitimidade. Pois a referida adesão da Igreja sana na raiz todo vício de eleição e prova infalivelmente a existência de todas as condições requeridas.”

Billot admite que há a possibilidade de vacância prolongada e o surgimento de dúvida sobre um ou outro eleito e que uma das condições seja que seja unido à Igreja como cabeça ao corpo. É interessante perceber que o Alessandro Lima não tenha grifado essas partes ou nem que tenha tocado nelas. Mas voltemos à parte sobre causa eficiente. A declaração Dignitatis humanae (prefiro grafar assim o documento) ensina algo distinto da Quanta cura de Pio IX. Que Pio IX e Pio XI foram legítimos papas se prova pelo fato de terem sido sujeitos de um magistério cujo efeito é correspondente à causa eficiente: documentos perfeitamente ortodoxos e disciplinas seguras para os fiéis católicos. Sabendo disso tudo, não há nenhuma razão para sequer remotamente duvidar da legitimidade desses papas. No entanto, a Dignitatis humanae não está em continuidade com a Quanta cura, nem com o Syllabus, nem com a Libertas Praestantissimum e a Immortale Dei de Leão XIII,  nem com Vehementer nos de São Pio X. Temos aqui um efeito que não é correspondente ao Magistério autêntico da Igreja, pois dela não pode ser emanado um documento que é herético e o seu sujeito foi Paulo VI. Donde se deduz que Paulo VI não foi papa legítimo e nem seus sucessores, pois eles ensinaram a mesma coisa.

Portanto, segue-se que para refutar o sedevacantismo, a necessidade da prova da ortodoxia do Magistério exercido pelos ditos papas conciliares e pós-conciliares deve ser demonstrada e o Alessandro Lima deve ser coerente e aceitar tudo o que Francisco ensina em seus documentos e as suas determinações disciplinares, pois se ele é papa, tudo o que é emanado dele para toda a Igreja é católico e sem qualquer vestígio de pecado, pois ensina o padre sedevacantista Giuseppe Murro:

“O fim do Magistério infalível exige que a vida dos fiéis se ordene sem erro nem prejuízo ao fim da Igreja: a vida eterna. Portanto, a infalibilidade dos decretos disciplinares é necessária para que a Igreja possa dirigir os fiéis sem erro para o seu fim. Com efeito, se a Igreja pudesse impor ou permitir que os fiéis praticassem atos contrários à fé ou aos bons costumes, ela não seria mais um instrumento de salvação: a Igreja seria então falível e portadora de erros.”

Fica a pergunta: Alessandro Lima pensa o mesmo sobre Francisco, que é a cabeça visível da Igreja segundo seu parecer?

CONCLUINDO COM A CONCLUSÃO

A minha conclusão será conjunta com a do Alessandro Lima. Ele escreve o seguinte:

O problema geral das teses sedevacantistas é que partem de juízos privados cuja autoridade é nula. Numa sociedade visível como é a Igreja, seus fatos devem ser de conhecimento de toda sociedade e para isso é que existe a Autoridade Pública da Igreja para definir e nos dar a certeza moral deles. Nesta situação colocam-se fora da Igreja que julgam fazer parte e defender.” (Grifos meus)

Podemos, em parte, conceder a primeira parte grifada. Nego a segunda. Por uma razão simples: a conclusão não apenas é impiedosa como errônea e temerária. Além de ser incoerente com o Vaticano II que ensina:

“Por isso, as Igrejas e Comunidades separadas, embora creiamos que tenham defeitos, de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação. Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja católica.”
(Unitatis redintegratio, n. 3)

Isto é, deve aceitar que de alguma forma o nosso meio pode ser usado como meio de salvação. Ainda para demonstrar a falta de caridade do sr. Alessandro Lima:

“Acontece, por exemplo, que — segundo o espírito mesmo do Sermão da Montanha — os cristãos pertencentes a uma confissão já não consideram os outros cristãos como inimigos ou estranhos, mas vêem neles irmãos e irmãs. Por outro lado, mesmo a expressão irmãos separados, o uso tende hoje a substituí-la por vocábulos mais orientados a ressaltar a profundidade da comunhão — ligada ao carácter baptismal — que o Espírito alimenta, não obstante as rupturas históricas e canónicas. Fala-se dos « outros cristãos », dos « outros baptizados », dos « cristãos das outras Comunidades ». O Directório para a aplicação dos princípios e das normas sobre o ecumenismo designa as Comunidades a que pertencem estes cristãos como « Igrejas e Comunidades eclesiais que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica ».

Tal ampliação do léxico traduz uma notável evolução das mentalidades. A consciência da comum pertença a Cristo ganha profundidade. Pude constatá-lo muitas vezes, pessoalmente, durante as celebrações ecuménicas, que são um dos acontecimentos importantes das minhas viagens apostólicas nas diversas partes do mundo, ou nos encontros e nas celebrações ecuménicas que tiveram lugar em Roma. A « fraternidade universal » dos cristãos tornou-se uma firme convicção ecuménica. Deixando para trás as excomunhões do passado, as Comunidades antes rivais hoje, em muitos casos, ajudam-se mutuamente; às vezes os edifícios para o culto são emprestados, oferecem-se bolsas de estudo para a formação dos ministros das Comunidades mais desprovidas de meios, intervém-se junto das autoridades civis em defesa de outros cristãos injustamente incriminados, demonstra-se a falta de fundamento das calúnias de que são vítimas certos grupos.”
(JOÃO PAULO II; carta encíclica Ut unum sint, n. 42, 25 de maio de 1995. Grifos meus)

Como podemos ver, Wojtyla reprova o comportamento do Alessandro Lima. Isso já em 1995. Inclusive, poderíamos também citar Bento XVI e próprio Francisco, mas citemos uma notícia sobre o Ratzinger, então cardeal, reportado no próprio site do Vaticano em alemão:

“Foi também o cardeal Ratzinger quem, de acordo com sua própria declaração, aconselhou Sigrid Spath a permanecer protestante e não se mudar para a Igreja Católica, como ela havia considerado em um momento de crise. De acordo com o cardeal, ela poderia fazer mais por ambas as igrejas se permanecesse protestante. A carintiana permaneceu ligada à Igreja Protestante de Cristo em Roma ao longo de sua vida.”
(Radio Vatikan, “Österreich/Italien: Lutherische Papstübersetzerin verstorben”, 2 de fevereiro de 2014. Grifos meus)

E ainda temos Francisco, o papa do Alessandro Lima, discursando aos luteranos:

“A vossa presença tão numerosa e entusiasta é um sinal evidente desta fraternidade, e enche-nos da esperança que a compreensão recíproca possa continuar a crescer.

“O Apóstolo Paulo diz-nos que, em virtude do nosso batismo, todos formamos o único Corpo de Cristo. De facto, os diversos membros formam um só corpo. Por isso pertencemos uns aos outros e quando um sofre, todos sofrem, quando um rejubila, todos rejubilam. Podemos continuar com confiança o nosso caminho ecuménico, porque sabemos que, além de tantas questões abertas que ainda nos separam, já estamos unidos. Aquilo que nos une é muito mais do que quanto nos divide!
(Discurso aos luteranos, 13 de outubro de 2016. Grifos meus)

Com respeito à parte em que a nossa conclusão partiria de juízo privado, pode ser verdadeira em parte porque a constatação da vacância da Sé Apostólica é de fato subjetiva, mas se dando sobre um fato objetivo.

Assim, devemos concluir o seguinte corolário:

O adversário do sedevacantismo, para refutar a posição, deve demonstrar cabal e inequivocamente que o magistério conciliar e pós-conciliar se identifica com o magistério autêntico da Igreja Católica a partir da continuidade de um em outro.

Se o magistério conciliar e pós-conciliar forem verdadeiro magistério autêntico da Igreja, e como o sujeito do magistério autêntico é o papa, deduzir-se-ia que os ditos papas sujeitos do magistério conciliar são verdadeiros papas. Essa é a única forma de refutar o sedevacantismo.

Espero assim que tenha dado as devidas lições ao sr. Alessandro Lima para ajudá-lo a refutar o sedevacantismo. Garanto que não é difícil fazê-lo.

É impossível.

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